Negócio com a Lockheed "abate" dois aviões europeus

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Cada C-130J custa menos cerca de 25 milhões de euros do que o A400M, argumento que justifica a opção de Paulo Portas Manuel Moura/Lusa

A compra de novos aviões C-130 à Lockheed, em detrimento do projecto europeu A400M, fará com que o substituto do Aviocar também seja do construtor norte-americano, garantiram hoje à Lusa especialistas aeronáuticos.

A substituição dos aviões Aviocar C-212 da Força Aérea Portuguesa - mais pequenos e complementares dos Hércules C-130H - consta da proposta de reequipamento militar que o Parlamento discutirá amanhã, em Lisboa.

Tendo como pano de fundo as suspeitas do PS sobre os fundamentos da decisão do ministro da Defesa de comprar aviões norte-americanos em detrimento do A400M, bem como as dúvidas quanto à participação de Portugal no desenvolvimento da Política Europeia de Segurança e Defesa, as fontes reconheceram que Paulo Portas provocou "uma segunda vítima europeia".

Trata-se de um avião pertencente ao mesmo fabricante do A400M: o Casa C-295, candidato natural a substituir os 24 Aviocar se Portugal adquirisse o futuro avião de transporte estratégico europeu, e que é produzido pela Espanha - país onde o Airbus militar também será montado (em Sevilha) se o projecto se concretizar.

Segundo as fontes consultadas, e à luz do que escrevem as revistas militares da especialidade, a compra do Hércules C-130J vai implicar a aquisição do C-27J Spartan, um aparelho de média dimensão desenvolvido também pela norte-americana Lockheed Martin (em parceria com a fábrica italiana Alenia Aeronáutica).

O C-27J "tem motores e aviónicos iguais aos do C-130J" e, entre outras características, utiliza as mesmas paletes de carga - o que facilita as operações de manutenção e sustentação das frotas e com custos mais reduzidos, explicaram.

Acresce, frisaram as fontes, que as características do C-27J permitem a Portugal adquirir apenas "oito a dez" desses aparelhos para substituir os 24 Aviocar actualmente ao serviço da Força Aérea.

A exemplo dos Hércules C-130H, e segundo a proposta de Lei de Programação Militar (LPM), o programa para substituir os 24 Aviocar também se deverá concretizar no primeiro sexénio de vigência do diploma.

Ao adquirir o C-27J, Portugal será pelo menos o terceiro país europeu a fazer essa escolha, depois da Itália (já encomendou 12 e tem opção por mais três) e da Grécia (que vai comprar os C-130J e fabricar C-27 norte-americanos), adiantaram as fontes.

O C-27J realizou o seu primeiro voo em Setembro de 1999 e recebeu as certificações de uso civil e militar em Junho e Dezembro de 2001, respectivamente.

A substituição dos actuais C-130H e Aviocar C-212 da Força Aérea Portuguesa insere-se no programa de renovação e modernização das suas frotas, ao abrigo das LPM.

O programa envolve também as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA), tanto pela via da manutenção e reparação dos aviões, embora tenha perdido a fabricação de componentes para os A400M (partes dianteiras das asas e elevadores de cauda para o controlo da altitude).

Lockheed fez proposta considerada imbatível

No quadro das negociações desenvolvidas nos últimos anos entre as autoridades portugueses e os fabricantes aeronáuticos norte-americano e europeu, a Lockheed Martin fez chegar a Lisboa uma proposta que fontes ouvidas pela Lusa consideraram imbatível.

A troco da compra dos C-130J - e, por arrastamento, dos C-27J -, a Lockheed disponibilizou-se a ficar com os velhos C-130, a fazer o “up-grade” (actualização) dos caças F-16, a modernizar os P-3P Orion e a receber também os 24 Aviocar, informaram as fontes.

E a empresa norte-americana acrescentou a esse pacote uma solução para a primeira esquadra de F-16 no caso de a sua modernização não ser contemplada na LPM (como acabou por ser), adiantaram as fontes.

"A Lockheed disse que faria com aqueles aviões uma esquadra em Portugal" para formação e treino dos pilotos portugueses e dos outros países europeus que também operam aqueles caças-interceptores (Dinamarca, Noruega, Bélgica e Holanda), garantiram.

Acresce que cada C-130J custa menos cerca de 25 milhões de euros do que o A400M, de acordo com as revistas da especialidade, e pode ser entregue muito mais cedo do que o futuro avião europeu, dois argumentos que justificaram a opção do ministro Paulo Portas.

Em relação às OGMA, e numa decisão que prenunciava a saída de Portugal do programa do A400M, Paulo Portas já anunciara que a empresa deveria limitar-se às operações de manutenção e reparação de aviões - abstendo-se de entrar no domínio do fabrico.

De então para cá, e num período de crise em que as OGMA têm lutado com falta de verbas para aquisição de equipamentos, a empresa já venceu pelo menos concursos para manutenção de aviões C-130 da Lockheed operados por países estrangeiros (França e, mais recentemente, Kuwait).

Apesar da dimensão das já referidas contrapartidas da Lockheed a Portugal, e sendo política do construtor norte-americano "não entrar" em empresas estrangeiras do sector aeronáutico, algumas fontes interrogaram-se sobre a eventual existência de uma oferta adicional para explicar a decisão de Paulo Portas em rejeitar o A400M.

"Será fazer das OGMA a oficina de manutenção e reparação dos muitos aviões da Lockheed na Europa?", perguntam.

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