João Penalva

O artista João Penalva, que se prepara para trocar Londres, onde vive há 30 anos, por Berlim, com uma bolsa do programa de residência da Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD), um prémio de intercâmbio académico, acaba de inaugurar em Lisboa uma exposição com 10 trabalhos novos, "Private View", patente, a partir de hoje e até fim de Março, na Galeria Filomena Soares.Penalva, 53 anos, que representou Portugal na última edição da Bienal de Arte de Veneza - onde expôs "R.", uma grande instalação com fotografia, vídeo e elementos documentais composta a partir da ópera "Die Meistersingers von Nürenberg", de Richard Wagner - , é o primeiro artista português a quem a DAAD é atribuída. Antes, foram contemplados artistas conceituados como Stan Douglas, no vídeo, ou os britânicos Rachel Whiteread e Richard Wentworth, na escultura (um dos trabalhos desenvolvidos por Stan Douglas durante a sua residência em Berlim, a grande instalação vídeo de 1995 "Der Sandman", foi apresentado no Museu do Chiado, em Lisboa, há dois anos).Diz o artista que é comum ouvir-se os visitantes das suas exposições comentar "Ah! Afinal é uma mostra colectiva!". Não é de estranhar. Também em "Private View", a trabalhos onde facilmente se identifica uma linha dominante na sua obra - o questionamento da narratividade e da textualidade, de noções dicotómicas como original/cópia ou original/tradução ou original/transcrição, realidade/ficção -, Penalva opõe trabalhos mais pontuais que rasgam com esses princípios criativos, instalando-se numa zona de mais ou menos estrita não-narratividade, remetendo, aliás, em alguns casos, para uma certa abstracção.É o caso de "Lichterketten", fotografias de cadeias de lâmpadas eléctricas coloridas sobre fundos negros que acabam por surgir como simples apontamentos de cor e forma. Já "17447", título que se refere a uma tela preenchida de pintas multicoloridas (em técnica "dripping") aborda mais ironicamente essa relação afastamento/proximidade a técnicas narrativas. Se a imagem proposta é puramente abstracta, o título remete para uma série de narrativas transversais: 17447 é o numero de pontos que o artista fez? Os gestos necessários à conclusão da tela?Uma linha de relações mais evidentes percorre os restantes trabalhos, que, ainda assim, são diversos no tipo de técnicas aplicadas na sua execução, do vídeo (a grande instalação "A Vida de Oaru", comissariado pela Caisse des Dépots et Consignation, de Paris), trabalhos que se aproximam do desenho, comentando a tradição centenária da cópia manuscrita. É o caso de um painel composto por cópias manuscritas de páginas de livros de Marguerite Duras, Alfred North Whiteread e Yang Wenzhi (das Edition Minuit à Fordham University Press) em que se mimetiza o tipo de letra e mesmo a sombra das palavras no reverso da página - um comentário, ainda, ao novo cânone sobre a ideia de cópia subjacente à legislação dos direitos de autor de uma obra literária que se referem quase sempre apenas à cópia mecânica.Já obras de carácter mais poético como "O Bule da Avó do Kentaro", em que se conta a história de um bule, ou trabalhos de maior comicidade, como "Sr. Yamato", justapõem o poder evocativo da imagem com o da linguagem, numa série de jogos narrativos em que se obriga o "leitor" a percorrer uma linha indistinta entre real/documental e ficção - de resto os seis blocos de imagens e correspondentes textos de "Sr. Yamato" são rematados com uma subversiva declaração em inglês assinada por João Penalva, algo como "Tudo isto é verdade e aconteceu no dia 2 de Agosto de..." - 1969 está riscado e substituído por 1996. Da mesma maneira, a própria data da assinatura (2002) também está rasurada."São trabalhos individuais, mas são vários aspectos de tratar a narrativa, de usar o feito à mão, o fotográfico, o reproduzido", diz João Penalva. "O que me interessa é precisamente essa diversidade de técnicas e suportes reunidos. Em todos estes trabalhos, interessa-me a pessoa intermediária. É esse o papel do artista, o de medium. Medium e suporte não são a mesma coisa. O artista é um medium num sentido quase telepático de canalização de coisas.""Pivate View"LISBOA Galeria Filomena Soares, Rua da Manutenção 80. Tel.: 218624122. Até 30 de Março, de 3ª a sáb., das 10h às 20h.

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