O pincípio do Vietname

Sobre "O Americano Tranquilo" tem recaído alguma expectativa - por um punhado de razões que também têm muito a ver com o "hype".

Seria a confirmação do "regresso" de Phillip Noyce (para quem tivesse saudades), na senda de "A Vedação", há algumas semanas estreado em Portugal. Tem Michael Caine numa interpretação celebrada que, dizem os adivinhos, o pode pôr na rota dos Óscares. Lança um olhar pouco consensual (digamos assim) sobre a política externa norte-americana (no caso, os primeiros tempos do envolvimento no Vietname), o que teria amedrontado a Miramax (produtora do filme), constando que só a insistência de Michael Caine livrou "O Americano Tranquilo" de uma estreia (e consequente carreira comercial) muito mais discreta.

Finalmente, e mesmo que ao pé de todas estas magnas razões o pormenor quase passe despercebido, trata-se de uma nova adaptação do romance homónimo de Graham Greene, que já deu um filme, em 1958, assinado por Joseph L. Mankiewicz (quem?).

Passemos ao lado da discussão sobre se o filme de Noyce é efectivamente "anti-americano". Mas, "by the way", refira-se que o romance de Graham Greene o era mesmo e declaradamente, tanto que o escritor ficou furioso com o final "truncado" do filme de Mankiewicz, onde o "americano tranquilo" era exactamente isso, um "americano tranquilo", frustrando as suspeitas da personagem então interpretada por Michael Redgrave e agora retomada por Michael Caine. Sobre essa questão, diga-se apenas que o filme de Noyce - e o argumento de Christopher Hampton - são mais fiéis ao romance de Greene.

Olhando "O Americano Tranquilo" mais de perto, digamos que é sobretudo um filme eficaz, o que não é nada mau quando ao leme esteve um realizador com uma certa tendência para dar cabo de boas ideias (lembram-se de como no filme que o revelou, "Calma de Morte", conseguia destruir tudo nos últimos dez minutos?). Aqui, Noyce vestiu a pele do artesão, gerindo com habilidade os actores (Caine é notável, Brendan Fraser, apesar de demasiado "liso", incorpora a ambiguidade da sua personagem) e os ambientes (a Saigão colonial dos anos 50, em retrato semi-realista semi-estilizado), e assegurando um ritmo narrativo pausado, quase lânguido, que se cola ao calor mole e tropical dos sítios onde a acção se passa. Esse clima é, aliás, fundamental, na definição da personagem de Caine (o correspondente do Times em Saigão), servindo para exprimir mais do que a sua adaptação, o seu aprisionamento. Convém ainda referir que a tudo isto se sobrepõe a magnífica fotografia de Christopher Doyle, essencial em muito do que acima ficou dito, e um trabalho que o resgata dos clichés visuais com que tentou dar alguma vida a "A Vedação".

Sendo um filme de "atmosfera", o trabalho sobre o som também pareceu particularmente importante. Dizemos "pareceu" porque foi difícil ouvi-lo - será que da próxima vez que houver obras ao lado da habitual sala de visionamentos, a distribuidora se lembrará de adiar a projecção ou marcá-la para outro cinema?

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