Torne-se perito

O pior cego

Perante um ataque governamental sem precedentes à RDP, iniciado há mais de oito meses, o antigo director de programas de um dos canais, João Coelho, vem a terreiro protestar contra...as minhas opiniões, aliás no essencial positivas, em relação às "performances" da empresa. Para isso não encontra melhor [num artigo editado no PÚBLICO de 9/01/03] do que elencar nomes, lugares, iniciativas do canal de cuja programação foi responsável até Maio passado. Parabéns, mas já sabíamos. Os que o ouvem. O problema não é o que foi feito - umas vezes bem (subscrevo vários nomes de pessoas, programas ou iniciativas elogiadas); outras, demasiadas quanto a mim, de forma possidónia; algumas, lamento, desbaratando belíssimas ideias, vide o citado espaço de Isabel da Nóbrega, assassinado por uma "realização" preguiçosa, que nem o nome do texto lido é capaz de nos fornecer no final. O problema é o muito que há para fazer na RDP. Além dos elogios ao seu próprio trabalho ( já constantes de um texto, neste mesmo jornal, do antigo secretário de Estado, Alberto Arons de Carvalho, "honni soit..."), João Coelho multiplica também ditirambos à obra de José Manuel Nunes. Sempre para ela tenho chamado a atenção nos textos que nos últimos anos escrevi sobre a RDP, nalgumas das vezes referindo os mesmos motivos que o ex-director da Antena 1 encontra para a enaltecer. Mas fazer justiça a José Manuel Nunes - e sobretudo à RDP, que não começou com ele nem, faço eu votos, com ele pode acabar - é também apontar-lhe as falhas. O pior cego é aquele que não quer ver e mal fazem os apoiantes da rádio pública se não forem eles os primeiros a preocuparem-se com os erros e as insuficiências do trabalho - de serviço público, nunca é de mais acentuar - oferecido à comunidade. Infelizmente, na grave circunstância que afecta a RDP, o texto de João Coelho mais parece provir do grupo dos contentinhos da vida, a quem parece bastar o simples facto de cumprirem as obrigaçõezinhas do dia a dia. Apesar destas discordâncias, e como fiz em relação aos textos dos membros do Conselho de Opinião Guilherme Valente (pelo Governo) e Paulo Rato (pelos Trabalhadores), saúdo a iniciativa de João Coelho em vir a terreiro defender aquilo em que acredita. A Rádio pública em Portugal - e sobretudo os cidadãos que dela sentem falta - não merece este silêncio que tem acompanhado as tentativas da sua descaracterização. Sabemos o que pensam ouvintes como Lebre da Costa, Freitas do Amaral, Jorge Miranda.Não sabemos o que pensam elementos que no Conselho de Opinião representam instituições e organismos da sociedade civil (sim, tomámos conhecimento de posições colectivas quanto à escolha de administradores: será excessivo esperar ouvir nos media, sobre a substância das mudanças em curso, os que nele representam a opinião pública, as associações sindicais e patronais, a juventude, a família, o movimento cooperativo, os consumidores, os municípios, os autores, as universidades?). Não sabemos o que pensa o último presidente da RDP, José Manuel Nunes, excelente conhecedor da problemática do serviço público de radiodifusão na Europa e provavelmente a pessoa que em Portugal mais larga e fundamente conhece o processo radiofónico (ser administrador da empresa que vai assegurar o apoio técnico às transmissões televisivas e radiofónicas do EURO 2004 para todo o mundo coarctará, em democracia, o direito de um alto quadro se exprimir sobre questões que tocam nas liberdades essenciais garantidas pela Constituição?); Não sabemos o que pensam outros antigos responsáveis da Rádio pública. Compreende-se que, num tempo de triunfo absoluto da televisão, a maioria dos cidadãos se mostre indiferente à sorte da rádio. Compreende-se, embora se aceite menos, que os líderes de opinião tendam a seguir, nesta matéria, as preocupações e gostos da maioria. Não se compreende nem se aceita, porém, que o destino da RDP não mereça uma palavra - de repúdio ou de aplauso, mas uma palavra, ao menos - a administradores, directores de informação e de programas, realizadores, jornalistas, técnicos, locutores a quem os contribuintes pagaram durante os últimos 27 anos para pensarem e fazerem rádio pública em Portugal. A poucas horas, julgo, da respectiva nomeação, faço votos para que os novos directores da RDP quebrem a regra do silêncio e nos dêem a conhecer as suas ideias para a rádio pública em Portugal. Para finalmente podermos discutir opções concretas.*Jornalista do PÚBLICO, director de Informação da RDP entre Dezembro de 1995 e Julho de 1997