Casa Pia: Teresa Costa Macedo diz que Jaime Gama sabia dos casos de pedofilia

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A ex-governante esteve hoje no Parlamento André Kosters/Lusa

A ex-secretária de Estado da Família Teresa Costa Macedo revelou hoje que o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo do Bloco Central Jaime Gama teve conhecimento do processo relativo aos alegados crimes de abuso sexual na Casa Pia de Lisboa.

Na audição de hoje na comissão dos Assuntos Constitucionais, a ex-secretária de Estado da Família revelou que um ex-ministro a tinha acusado de perseguir funcionários do ministério daquele governante, acusação que Teresa Costa Macedo diz ter rejeitado.

A ex-secretária de Estado, contou à primeira comissão, aconselhou o ex-ministro a consultar o processo relativo à Casa Pia para constatar que não havia qualquer perseguição política. O ministro assim o terá feito, contou a ex-secretária de Estado, tendo depois admitido que Teresa Costa Macedo "tinha razão".

Aos deputados, Teresa Costa Macedo nunca revelou o nome do ministro em causa, mas, à saída da audição, aos jornalistas, a ex-secretária de Estado da Família do Governo AD revelou que o governante em causa era Jaime Gama, ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo do Bloco Central, entre 1983 e 1985.

Ao afirmar que Jaime Gama consultou o processo, no qual constava o nome do diplomata Jorge Ritto, Teresa Costa Macedo deixa claro que o ex-ministro e agora deputado do PS tinha "conhecimento profundo" do que se passava na instituição.

No entanto, a ex-governante não deixou de enaltecer o papel de Jaime Gama, ao salientar que "esses funcionários [os que o ex-ministro dizia estarem a ser perseguidos, como Jorge Ritto] nunca foram promovidos".
RTP acusada de "ter abafado" reportagem em 1980

A ex-governante revelou também que seis alunos da Casa Pia contaram "ao pormenor" as violações de que foram alvo nas comemorações dos 200 anos da instituição, acusando a RTP, que estava presente, de "ter abafado" a reportagem.

Teresa Costa Macedo disse mesmo que perguntou ao então presidente da RTP, Soares Louro, por que razão não foi divulgada a reportagem. O presidente ter-lhe-á dito que o conteúdo da reportagem "era tão grave" que não podia ser divulgado à época.

"Eu aceitei esta explicação. Ao tempo aqueles depoimentos eram de tal maneira chocantes, que era um programa que não podia passar na televisão", admitiu Teresa Costa Macedo.

A situação ocorreu nas comemorações dos 200 anos da Casa Pia de Lisboa, em 1980, já Teresa Costa Macedo era secretária de Estado da Família. Ramalho Eanes, Presidente da República, também esteve presente nas comemorações.

A ex-secretária de Estado contou hoje que quando se preparava com o então Presidente da República para ir "para o banquete" foram levados para uma sala da instituição, "onde se encontravam seis alunos e duas câmaras de televisão". "O provedor foi proibido de entrar", disse.

Os alunos, adiantou Teresa Costa Macedo, contaram "ao pormenor" as "violações de que eram vítimas" da parte "de ex-alunos, de alunos mais velhos e de funcionários" da instituição.

"Aquilo foi uma grande cilada. Quem montou não sei, para que serviu, não sei", disse a ex-secretária de Estado quando confrontada com as questões dos deputados, que quiseram saber detalhes desta reunião surpresa.

"Por que é que não passou aquela reportagem? Eles [alunos] disseram tudo", questionou-se Teresa Costa Macedo sobre a conduta da RTP.

Escusando-se a revelar nomes de altas individualidades alegadamente implicadas na rede de pedofilia que disse existir desde há mais de duas décadas, envolvendo menores da Casa Pia, Teresa Costa Macedo reiterou que durante os anos em que tutelou a instituição (1980-82) fez o que pôde, enviando todos os relatórios para a Polícia Judiciária.

Costa Macedo disse que, em sua opinião, os ministros dos Assuntos Sociais entre 1980 e 1982 (Morais Leitão, Carlos Macedo e Luís Barbosa) sabiam do que se passava, tendo mesmo admitido que outros ministérios, até depois de 1983, tiveram conhecimento do caso.

A ex-secretária de Estado lamentou que, agora, depois de divulgado o escândalo, ex-governantes tenham sido "atacados de uma súbita amnésia", lembrando ter sido ela "a única pessoa com funções de governação que foi para a frente com processos contra" Carlos Silvino, o funcionário alegadamente autor de abusos sexuais.

"Fui a única pessoa a recordar-me de factos perante o silêncio dos outros", acusou, reiterando que Carlos Silvino era "o angariador de uma rede de pedofilia", mas que não passa "do elo mais fraco" dessa mesma cadeia.

A ex-secretária de Estado disse mesmo que Carlos Silvino "tinha os provedores da Casa Pia na mão", mas não conseguiu fundamentar e explorar a sua suspeita.

Teresa Costa Macedo voltou a afirmar que só tomou conhecimento de casos de abusos sexuais nas comemorações dos 200 anos da Casa Pia, admitindo que antes desse dia apenas "se falava em casos de homossexualidade".

As perguntas mais críticas surgiram da parte do deputado do CDS/PP Narana Coissoró, que quis saber se a ex-secretária de Estado tinha voltado a falar sobre o assunto com Ramalho Eanes depois das celebrações e por que razão não tinha recorrido ao Ministério da Justiça e ao procurador-geral da República face à inércia que diz ter verificado da parte da PJ.

Numa atitude defensiva, Teresa Costa Macedo admitiu que não voltou a falar com Ramalho Eanes sobre os relatos dos alunos, mas desde logo frisou que era o Presidente da República que lhe devia perguntar a ela o que estava a despachar sobre o assunto.

Sobre o recurso ao ministro da Justiça da época ou ao procurador-geral da República, a ex-secretária de Estado escudou-se no argumento de que à época dos acontecimentos (1980-82) a "orgânica dos poderes públicos era diferente".

Questionada pelo deputado do PS Osvaldo de Castro sobre se passou e explicou o dossier da Casa Pia à sua sucessora, a deputada e ex-ministra Leonor Beleza, Teresa Costa Macedo admitiu que nunca o chegou a fazer.

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