Analfabetismo ainda atinge nove por cento dos adultos
Alberto Melo, autor de um documento que traçava o caminho para o desenvolvimento da educação de adultos, confirma: "Num país que tem uma situação única de atraso escolar, nunca houve uma campanha e uma estratégia fortes" de combate ao analfabetismo. "O porquê é para mim uma incógnita."
Numa década, o analfabetismo em Portugal caiu apenas dois por cento. Actualmente, nove em cada cem habitantes não sabem ler nem escrever, segundo o Censos de 2001. Nas grandes cidades, como Lisboa e Porto, praticamente não houve oscilações; e na região da Grande Lisboa registou-se mesmo um aumento do número total de pessoas iletradas (que passou de 89.200 para 92.600). O que é que falhou?
Há mais de 50 mil indivíduos entre os 10 e os 44 anos que não têm qualquer nível de ensino, o que revela que ainda existe muita gente, com vários anos de vida activa à frente, que, por algum motivo, não teve acesso à escola ou abandonou-a sem concluir nenhum ciclo. Os resultados do último Censos demonstram ainda que há zonas do país onde as taxas de analfabetismo rondam os 19 por cento.
O facto de a maior parte dos adultos iletrados se concentrarem nas faixas etárias mais altas, onde houve uma diminuição da taxa de mortalidade, explicará em parte que seja tão lenta a evolução, avança a ex-secretária de Estado da Educação, Ana Benavente. A migração interna e a imigração, sobretudo das ex-colónias portuguesas, também ajudará a compreender alguns números - na Amadora, por exemplo, a taxa de analfabetismo passou de 5,1 por cento, em 1991, para 5,5 por cento em 2001.
Mas importante parece ser também a constatação de que "andámos devagar porque a educação de adultos nunca foi sentida no nosso país como uma realidade", reconhece a ex-governante.
Mais adultos em cursos de alfabetizaçãoEm 1996/97, pouco mais de 10.500 adultos do continente frequentavam o 1º ciclo do ensino recorrente, conferente de certificado. Apenas um terço conseguiu, nesse ano, o diploma. A região de Lisboa e Vale do Tejo - a que tem mais formandos no sistema - registou a mais baixa taxa de certificação: 13,6 por cento.
A procura do 1º ciclo do ensino recorrente (destinado a adultos) tem vindo a aumentar. Em 2000/01 foram já 17 mil os indivíduos matriculados, só no continente. Antónia Trindade, do Departamento de Educação Básica, lembra que este crescimento está ligado ao facto de o regime do Rendimento Mínimo Garantido ter obrigado as pessoas que dele beneficiam "a ingressar em programas de inserção, profissional ou de escolarização".
Quanto ao sucesso destes cursos, Antónia Trindade lembra que nem sempre taxas e números dizem toda a verdade: "Estamos a falar de educação de adultos e o não haver certificação não quer dizer que as pessoas não tenham ganhos importantes na sua vida." Ainda assim, a responsável é da opinião de que a alfabetização deveria ser feita através da chamada "educação extra-escolar" - cujos cursos de alfabetização funcionam em associações, colectividades, organizações não-governamentais - e não no recorrente, onde há um programa mais ou menos rígido. Este ano, na Direcção Regional de Educação (DRE) do Norte, há 598 inscritos neste tipo de cursos. Em Lisboa são apenas 199.
O ex-dirigente da Direcção-Geral de Educação Permanente (1976), Alberto Melo, lamenta que a educação de adultos nunca tenha sido uma aposta. "Num país que tem uma situação única de atraso escolar, nunca houve uma campanha e uma estratégia fortes. O porquê é para mim é uma incógnita", diz o professor, que foi também coordenador do grupo de trabalho que, em 1998, apresentou o "Documento de Estratégia para o Desenvolvimento da Educação de Adultos", que deu origem ao anúncio de uma reforma.
"Houve algo importante que mudou do ponto de vista qualitativo desde então, mas do ponto de vista quantitativo ou da vontade política não vejo grandes mudanças. Há um marco histórico, que é a criação, em 1999, da ANEFA [Agência Nacional para a Educação e Formação de Adultos]", explica Melo.
O pior são os baixos níveis de literaciaEste organismo - que não se destina a um público analfabeto, mas sim que procura, por exemplo, ter a escolaridade obrigatória - é responsável, nomeadamente, pela coordenação de um sistema de certificação de competências obtidas ao longo da vida. Havia, em 2001, 28 centros de certificação. Mas os recursos são parcos e as equipas reduzidas para responder aos mais de sete mil que no ano passado se dirigiram aos seus serviços.
Num ponto, o professor e a ex-governante estão de acordo: o problema do analfabetismo em Portugal é apenas a ponta do icebergue. Em 1994, um estudo nacional de literacia, coordenado precisamente por Benavente, revelava que só 20 por cento dos adultos dominavam com algum à-vontade os códigos da escrita - ler e escrever, transmitir uma mensagem com sentido - e também da numeracia. "Pensarmos que temos 80 por cento da população sem um nível de literacia apropriado (porque hoje já não basta assinar o nome) parece-me muito alarmante", acrescenta.
"Acho que não consegui passar o meu entusiasmo em relação a essas áreas para o governo", confessa Benavente. Mas a ex-secretária de Estado, hoje deputada do PS, lembra que isso também aconteceu porque se "preferiu trabalhar a médio prazo, investindo no pré-escolar".
Ainda assim, dão que pensar algumas notas do "Documento de Estratégia" de Alberto Melo: na Finlândia, só 15 por cento dos adultos nunca tinham participado em actividades de educação destinadas à sua faixa etária. Na Inglaterra e País de Gales, 3,4 milhões de indivíduos frequentavam anualmente acções pós-escolares em centros de educação de adultos. Na Suécia, 136 escolas superiores populares especializadas nesta área recebiam 200 mil participantes por ano.