Spacey, Bridges: actores do outro mundo

De "K-Pax - Um homem do outro mundo", que baseia o seu argumento num romance de ficção científica, é fácil imaginar uma versão que coubesse na meia-hora de um episódio da série Twilight Zone. Os condimentos estão lá todos: no cenário urbano de Manhattan aparece a vaguear um indivíduo (Kevin Spacey) que insiste ser um ET chamado Prot, oriundo do planeta K-Pax, a centenas de milhares de anos-luz da Terra.

É levado para uma instituição psiquiátrica, e lá, pelo convívio com os outros pacientes e pelo confronto com os médicos (em especial Jeff Bridges, a quem cabe lidar com o caso), o mistério ganha corpo: será um ET? Ou apenas alguém perturbado, que teria desenvolvido um caso de substituição de personalidade? O enigma alimenta o filme, que tanto dá uma no cravo como outra na ferradura - e esse estado de suspensão é mais interessante do que saber qual é verdade ou qual é a chave para o enigma.

É difícil dizer que Iain Softley resolva isto muito bem. O grande modelo narrativo de "K-Pax" é menos o cinema de ficção científica do que os filmes de manicómio em versão ligeira - mais ao estilo de "Vida Interrompida" (de James Mangold) do que de "Voando Sobre um Ninho de Cucos". Na verdade, a maior parte do filme joga-se num registo um tanto delicodoce sobre a solidão e a suave loucura do mundo contemporâneo - toda a galeria de pacientes está lá como um punhado de exemplos coloridos dessa temática: não necessariamente loucura, antes uma distorção na percepção da realidade, casada com uma tristeza e um desespero profundos. É por aí que começa a funcionar a faceta messiânica de Prot, alguém que virá trazer, pela sua peculiar filosofia, uma hipótese de recuperação aos companheiros de internamento. Boas intenções, mas "K- Pax" não deixa de ser, no seu pior, uma demonstração de um humanismo simplista.

Funciona melhor a nível da relação entre os dois protagonistas, Spacey e Bridges. Jeff Bridges, esse actor notável que talvez nunca tenha sido apreciado, é brilhante na composição de uma personagem habitada por uma dúvida que vem pôr em causa todas as suas certezas profissionais, e no limite, tudo o que ele sabe ou julga saber - e recorde-se o facto de Bridges já ter estado no "outro lado", em "Starman", de Carpenter. Spacey, no seu habitual registo de suave "overacting", é um bom contraponto para a interioridade de Bridges. É quase um confronto de escolas de representação e a mais plausível razão para aconselhar a alguém o visionamento deste filme chocho.

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