"Tosca" de Puccini no Coliseu do Porto

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"A Tosca é uma mulher apaixonada, uma diva do canto que vive uma história de amor que defende literalmente até à morte", diz Elisabete Matos Paulo Ricca/PÚBLICO

“Tosca”, a célebre obra de G. Puccini (1858-1924) que teve a sua estreia em 14 de Janeiro de 1900, no Teatro Costanzi, em Roma, vai agora ser apresentada no Coliseu do Porto.

A passagem de mais de um século não foi suficiente para afectar a actualidade de um dos mais populares triângulos amorosos da história operática, que envolve a cantora Floria Tosca (Elisabete Matos), o pintor apaixonado Mário Cavaradossi (Nicola Rossi Giordano) e o violento barão Scarpia (Jorge Vaz de Carvalho).

A famosa ópera em três actos conta, nesta produção, com direcção musical do maestro Reynaldo Giovanietti — que substitui Julian Reynolds, por motivo de doença deste — e com a encenação do norte-americano Joseph Franconi Lee. A récita resulta de uma co-produção da Orquestra Nacional do Porto (ONP), do Círculo Portuense de Ópera (CPO) e da Associação de Amigos do Coliseu do Porto (AACP), e terá duas outras representações, nos dias 14 e 16 de Novembro.

Para Jorge Vaz de Carvalho, também director artístico da ONP, “é bastante tradicional” esta encenação da obra de Puccini, autor das não menos conhecidas óperas “La Bohème” (1896) e “Madame Butterfly” (1904). “Se ela tem alguma virtude, não é de certeza a novidade. [Franconi Lee] aposta mais em trazer o que era a grande ópera tradicional, como, por exemplo, naquela cena grandiosa, no final do primeiro acto, em que há uma grande procissão com dezenas de pessoas em palco”, afirma o barítono. A cenografia de Acácio Carvalho consegue conciliar esse lado grandioso — um gigantesco fundo luminoso com escadas colossais — com a simplicidade, por exemplo, da capela minimalista que, no primeiro acto, fica à esquerda do palco. O libreto de “Tosca”, elaborado por Giuseppe Giacosa e Luigi Illica, narra a tórrida paixão de Tosca e Cavaradossi.

A relação é conturbada não apenas pelos ciúmes doentios da cantora, mas também pela voz de prisão que Scarpia, chefe da polícia política romana, dá ao pintor. A detenção tem como objectivo fazer com que Cavaradossi delate um amigo, o antigo cônsul da República de Roma, que havia fugido há pouco do cárcere. Só que Scarpia também aproveita a situação para assediar Tosca: em troca de favores sexuais da bela diva, promete- lhe a libertação do pintor.

Elisabete Matos, cantora bracarense radicada em Madrid, vê na ópera de Puccini o embate entre o poder e a paixão. “Scarpia usa a sua autoridade para tentar seduzir Tosca — não porque ele esteja apaixonado por ela, mas para lhe fazer sentir o seu poder. Ela sente-se quase obrigada a ceder a essa tentação para salvar o homem que ama e, no fundo, descobre uma coisa insuspeita, que é o facto de ser capaz de matar por amor”, afirma a soprano, no camarim, pouco antes de colocar a capa escura que utiliza no sombrio terceiro acto. Por enquanto, traja apenas o belo vestido cinzento, com mangas transparentes, que integra o figurino desenhado por Manuela Bronze.

Foi nessa altura, entre a segunda e a terceira partes do ensaio geral, realizado no sábado, que a cantora preferiu falar com o PÚBLICO. Antes, havia explicado como o primeiro intervalo era dominado pela azáfama — seja pela troca de vestidos, seja pela preparação vocal para a famosa ária do segundo acto. “É um momento especialmente difícil para mim”, disse, na altura, com a expressividade dos seus enormes olhos claros. Ao camarim ao lado, contudo, chegava Vaz de Carvalho, com um artificial nariz adunco. O barítono sorriu, referiu que Ron Freeman era o responsável pela “operação plástica”.

“Scarpia sofre de uma paixão doentia, de um indivíduo tarado. Aliás, a própria personagem diz no início do segundo acto que gosta da conquista violenta. Os sons de guitarra e as flores não são com ele. A sedução não lhe interessa. Scarpia é um chefe da polícia, não é um trovador”, afirmou o cantor. A complexidade do seu papel exige não apenas um entendimento da psicologia de Scarpia, mas também uma potência vocal específica.

“É um dos papéis mais fascinantes que conheço. Sempre desejei fazê-lo. Mas tive de esperar pela hora em que achei que tinha a maturidade cénica e vocal para uma personagem desta envergadura, que é dificílima não só do ponto de vista vocal, por ser extremamente violenta para um barítono, como também do da própria composição dramática”, notou Vaz de Carvalho.

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