Malkovich, Deneuve, Papas e Sandrelli filmam com Oliveira

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Leonor Silveira, Manoel de Oliveira, Irene Papas, John Malkovich, Catherine Deneuve e Stefania Sandrelli Pedro Inácio/PÚBLICO

Chegou depois de todos, não desceu sequer ao "hall" de entrada do Hotel da Lapa, em Lisboa, não queria dar entrevistas às televisões. No sábado à noite, Catherine Deneuve esperou que John Malkovich, Irene Papas, Stefania Sandrelli, Leonor Silveira e o realizador Manoel de Oliveira estivessem já alinhados — a posar para as câmaras e máquinas fotográficas — para entrar na sala, sorrir ligeiramente e desaparecer logo a seguir.

Desfez-se a "family picture": Deneuve seguiu para outro espaço, onde falou com jornalistas, os outros actores distribuíram-se pelas várias salas (quartos) do primeiro andar do hotel, que durante algumas horas foi transformado num prolongamento do "plateau" de "Um Filme Falado", a nova obra de Manoel de Oliveira.

Em rodagem desde 7 de Outubro, "Um Filme Falado" vai atravessar vários portos do Mediterrâneo. Marselha, Nápoles, Atenas, Istambul e Cairo são algumas das cidades onde ficará parado o paquete "Funchal" (comandado por John Malkovich, o capitão americano), que percorrerá "milénios de história".

Lá dentro, estão a professora de História Rosa Maria (Leonor Silveira), acompanhada pela sua filha, Delfina; a empresária francesa representada por Deneuve; outra professora (Irene Papas) e uma ex-modelo internacional, viúva e sem filhos (Stefania Sandrelli).

Os percursos de "Um Filme Falado" formam uma viagem "às raízes da civilização ocidental", onde cada actor representa na sua própria língua. Diz a actriz italiana Stefania Sandrelli, a única que trabalha pela primeira vez com Manoel de Oliveira, que esta é "uma verdadeira viagem" — "Apenas um pequeno pedaço de vida, como a representação, como um filme." Quer dizer: "Conhecemo-nos superficialmente. Acho que ninguém está à procura de ir mais fundo."

Actriz desde os anos 60, Stefania Sandrelli foi uma presença forte na época de ouro da comédia italiana (dirigida por cineastas como Ettore Scolla ou Pietro Germi e, mais tarde, por Bertolucci), associada a uma imagem de sensualidade. Algo que Oliveira parece aqui querer recuperar, até porque as personagens que os actores convidados representam estão, de alguma forma, ligadas às suas carreiras — também Irene Papas, que já foi o rosto da tragédia grega no teatro e no cinema, representa aqui uma professora grega de canto e representação. Num francês misturado com o italiano, Stefania Sandrelli começou logo por dizer que se sentia muito feliz por representar ao lado de Catherine Deneuve e Irene Papas, "grandes actrizes e grandes mulheres". Contou: "Represento uma mulher italiana, como eu. A Catherine representa uma mulher bela, loira; a Irene é forte, morena, generosa, sincera. No filme, sou uma mulher reservada. Falo menos do que as outras, mas estou certa de que Manoel de Oliveira vai escolher o mais representativo daquilo que digo."

Trabalhar pela primeira vez com Manoel "é qualquer coisa de especial": "Comecei a trabalhar muito jovem e por sorte em grandes filmes. A minha carreira não foi só escolhida por mim. Este é um encontro feliz, com sorte. E é uma experiência absolutamente nova. O meu coração bate muito forte todos os dias. Sandrelli não disse muito mais sobre a exmodelo. John Malkovich também falou pouco sobre o seu papel. O actor norte-americano, que já trabalhou com Oliveira em "O Convento" (1995) e "Vou para Casa" (2001), acrescentou não saber muito bem como será o capitão — o realizador vai escrevendo o argumento enquanto filma. "O principal está na cabeça de Manoel, por isso a experiência nos três filmes que fiz com ele foi não ter a mínima ideia sobre como é que ele iria usar o que estávamos a filmar", disse.

Malkovich gosta do tempo dos filmes do realizador português. Compara o cinema de Oliveira ao americano: "O meu sócio quando viu ‘O Convento’ ficou espantado. Há uma sequência em que eu e a Catherine Deneuve estamos no carro, saímos, caminhamos até ao portão, ficamos no portão, depois conversamos um pouco, voltamos ao carro, e vamos embora. Nos filmes americanos entramos no carro, aparecemos no portão e depois estaríamos, sei lá, em Hong Kong, onde alguém teria uma arma. Por isso não há tempo para sonhar, não se reflecte. Mas nem todos estão interessados em reflectir, a maioria está interessada em sensações. Não é uma crítica, as pessoas podem gostar do que quiserem mas não podem fazerme gostar do que não gosto. Gosto de sonhar, de reflectir, de estar nas mãos de alguém que sabe fazer isso."

De alguma maneira o tempo de que falava Malkovich estava próximo daquele em que se moveu durante a conversa com o PÚBLICO, numa das salas do Hotel da Lapa: fez longas pausas, demorou-se nas palavras. Um tempo de alguma forma estranho para um sítio onde as conversas entre actores e jornalistas foram cronometradas. Quando acabámos de falar com John Malkovich e Stefania Sandrelli, Manoel de Oliveira estava a dar a sua última entrevista.

"Um Filme Falado" é uma co-produção entre Portugal (Madragoa), França (Gemini) e Itália (Mikado) e acabou de ter o apoio directo à produção do Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia (ICAM).

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