Dois deputados iranianos demitem-se em protesto contra condenação à morte de escritor

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Os estudantes reuniram-se num anfiteatro da Universidade de Teerão para denunciarem "o veredicto medieval" decretado contra o escritor Vahid Salemi/AP

"Os nossos eleitores colocaram-nos questões às quais não podemos responder. Por isso demiti-nos, em protesto contra essa pena medieval", explicou à AFP Hassan Loghmanian, um dos deputados.

Segundo o parlamentar, próximo do campo reformador, outros deputados poderão seguir o seu exemplo e o de Mohammad Reza Ali Hosseini.

O próprio Hassan Loghmanian foi agraciado no passado dia 15 de Janeiro pelo guia espiritual do Irão, o "ayatollah" Ali Khamenei, depois de ter sido condenado a dez meses de prisão por ter proferido "insultos à justiça" durante um discurso parlamentar.

Numa carta aberta, 178 deputados apoiaram o presidente do Parlamento iraniano (Majlis), Mehdi Karubi, exigindo ao poder judicial que anule o veredicto contra Hachem Aghajari e lhe conceda a liberdade.

Em sessão pública, Mehdi Karubi exprimiu o seu "desgosto face a um veredicto vergonhoso" e assegurou que o assunto seria resolvido e que a execução não teria lugar.

Hoje, 1200 estudantes iranianos voltaram a manifestar-se junto à Universidade de Teerão contra a condenação à morte do escritor, intelectual e professor de História. Os estudantes reuniram-se num anfiteatro da universidade para denunciarem "o veredicto medieval". Do encontro saiu uma petição, que será enviada ao chefe do poder judicial, o "ayatollah" Mahmud Hachemi-Chahrudi, que denuncia "a acção dos tribunais que estão sob as suas ordens".

Ontem à noite, centenas de estudantes concentraram-se junto à universidade, naquela que foi a primeira manifestação do tipo desde os confrontos de Julho de 1999, quando os estudantes iranianos se manifestaram durante seis dias consecutivos a favor de uma maior liberdade de imprensa, em resposta à suspensão do jornal pró-reformista "Salam". Os protestos foram brutalmente reprimidos pelas forças de segurança da república islâmica, tendo a polícia antimotim atacado um dormitório da Universidade de Teerão onde se encontravam reunidos estudantes, na noite de 8 de Julho, que resultou na morte de um estudante. Os motins e manifestações duraram seis dias, espalhando-se a outras cidades do país, causando pelo menos três mortos e duas centenas de feridos.

Durante as manifestações, os estudantes passaram da manifestação a favor de uma maior liberdade de imprensa (incluindo o levantamento da suspensão do "Salam") para uma exigência mais vasta: mais reformas e a destituição dos poderosos radicais que governam o país.

Hachem Aghajari é acusado de ter insultado os profetas e o islão. A sua condenação à morte é o mais recente golpe dos conservadores da linha dura do regime iraniano contra o Governo reformador e moderado do Presidente Mohammad Khatami. Dezenas de jornalistas e intelectuais iranianos têm sido presos nos últimos três anos, mostrando que a liberdade de imprensa e de expressão ainda está longe de ser uma realidade na república dos "ayatollah".

Hachem Aghajari foi condenado à morte na passada quarta-feira por um tribunal de Hamdan por ter apelado — num discurso feito em Junho — à reforma do islão e declarado que os muçulmanos "não devem seguir cegamente um líder religioso".

A justiça iraniana entendeu estas palavras como ofensivas para com o islão e os seus dogmas, crime que justifica a aplicação da pena capital. Ao mesmo tempo, o tribunal condenou o escritor a oito anos de prisão, a serem cumpridos em várias cidades, a 74 chicotadas e a dez anos de privação de dar aulas. Segundo a lei iraniana, a pena de morte é aplicada somente quando as restantes penas estiverem cumpridas.

Membro da Organização dos Mujahidin da Revolução Islâmica (que integra o Governo e é vista como a principal impulsionadora das reformas), Hachem Aghajari está detido desde 8 de Agosto e já comunicou que vai recorrer da sentença.

Com 45 anos, Hachem Aghajari combateu na guerra contra o Iraque (1980-1988) e, na sequência de um ferimento, teve de amputar uma perna. Há duas semanas, foi submetido a uma operação, na prisão, devido a uma infecção.

Popular entre os estudantes, tradicionalmente mais reformadores, Hachem Aghajari dava aulas de História na Faculdade de Formação de Professores em Teerão. Os seus alunos fizeram em Outubro greve às aulas durante três dias, em protesto contra a sua detenção.

O Governo iraniano, liderado por Mohammad Khatami, afirmou-se “desolado” face à condenação de Hachem Aghajari e garantiu que tudo fará para que o recurso da sentença seja bem sucedido. Por seu lado, o presidente do Tribunal Especial Religioso, Ali Razini, defendeu que, se o intelectual foi mesmo culpado de insultos aos profetas, “a pena de morte é uma evidência”. “Todos os muçulmanos estão de acordo neste ponto e não é necessário um tribunal para o declarar”, afirmou o líder da instituição, que obedece directamente ao "ayatollah" Ali Khamenei.

Parlamento dá poderes a Khatami para intervir directamente nos assuntos judiciais

O Parlamento iraniano aprovou hoje um projecto de lei que permite ao Presidente Mohammad Khatami intervir directamente nos assuntos judiciais do país. Este novo texto confere poderes a Khatami para suspendee decisões judiciais ou administrativas e actos "contrários à Constituição". Os responsáveis por violações constitucionais podem ser suspensos das suas funções públicas durante um a três anos, na primeira vez, e definitivamente em caso de reincidência.

A maioria dos deputados da assembleia, dominada por reformadores, aprovou as grandes linhas do segundo projecto de lei apresentado pelo Presidente para tentar evitar as intromissões dos conservadores no poder. Há quatro dias, o Parlamento aprovou um documento que impede os conservadores de filtrarem os candidatos às eleições.

As reformas de Khatami — que vai no seu segundo mandato — têm sido bloqueadas pelos conservadores da ala dura.

Os conservadores consideram ambos os projectos de lei "inconstitucionais", o que tornar diminuta a possibilidade de dos documentos serem aprovados pelo Conselho dos Guardiões da Constituição e pelo Conselho de Discernimento, as duas instituições que, a par com o Parlamento, exercem o poder legislativo.

O Conselho dos Guardiões da Constituição é composto por doze membros, seis religiosos escolhidos pelo "ayatollah" e seis juristas designados pelo Parlamento. A sua principal função é controlar a conformidade das leis aprovadas com o islão e a Constituição. Dominado pelos conservadores, tem igualmente importantes poderes em matéria eleitoral, uma vez que lhe cabe avaliar as candidaturas e proclamar os resultados.

Criado em 1987, o Conselho de Discernimento, composto por 22 membros nomeados pelo "ayatollah" e presidido pelo ex-Presidente Ali Akbar Hachemi Rafsanjani, é a instância de arbitragem entre o Majlis e o Conselho dos Guardiões da Constituição.

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