as mil luzes de Nova Iorque

Da polícia criminal internacional, os Interpol só têm o nome, elegante como os fatos que vestem e a música que fazem, fácil de memorizar e com ar vagamente misterioso. Eles vêm das mil luzes de Nova Iorque.

New wave, no wave, punk, pós punk, free jazz, disco sound, electroclash, hardcore. Chelsea Hotel, 5ª Avenida, Central Park, Manhattan, Brooklyn, Factory, Knitting Factory, CBGB. Andy Warhol, Velvet Underground, Ramones, Suicide, Sonic Youth, Woody Allen. Géneros, lugares, artistas que nos trazem à memória Nova Iorque, que fazem parte do mito e da mística da cidade e das suas dez mil histórias. Aos nomes clássicos da vida artística da cidade, juntou-se, nos últimos tempos, uma constelação encabeçada por The Strokes. Na sequência da popularidade do grupo liderado por Julian Casablancas, surgiu um conjunto de bandas rock bastante apelativas, mas diferenciadas entre si, que tem conquistado as páginas das publicações especializadas e os corações melómanos. Dessa leva de esperanças nova-iorquinas (alguns dos grupos não são propriamente novos em termos de existência), que engloba bandas como Yeah Yeah Yeahs, Liars ou The Rapture, duas das mais recentes "descobertas" são os Interpol e os Radio 4. Em comum: a recuperação de linguagens do início dos anos 80. Os primeiros bebem na herança dos Joy Division, The Sound, Chameleons e Wire; os segundos na dos Gang Of Four e The Clash.dandies, mas não só. Mas é dos Interpol que falamos. Nascidos em Brooklyn, em 1998, os Interpol originais eram Daniel (guitarra), Paul (voz/guitarra), Greg (bateria) e Carlos (baixo). Dois anos depois, Greg abandonou o grupo, sendo substituído por Samuel. Com os seus fatos, de riscas ou não, camisas engomadas, vermelhas, brancas ou pretas, gravatas, sapatos pretos e outros acessórios a condizer, os Interpol são uns diletantes do rock. Foi com eles que o Y chegou à fala. Do outro lado do telefone, em Londres, espera-nos Carlos Denger, baixista. Está num quarto do Columbia, um bonito hotel de fachadas brancas e pequeno, mas frondoso jardim, em Bayswater, na parte Norte do Hyde Park (Para nossa surpresa, não é Carlos quem nos atende o telefone mas alguém não identificado que nos diz que vai chamar Denger; após largos minutos de espera, uma voz ensonada diz-nos, enfim: "está"?)São 11 da manhã e apesar de ser essa a hora previamente aprazada para a entrevista, Carlos dormia a sono solto. "Temos tocado muito e andamos sempre cansados", explica. Perguntamos se prefere que voltemos a ligar mais tarde. "Não, não vale a pena. Peço desculpa mas têm sido uns dias complicados". E não apenas por causa dos concertos da digressão britânica dos Interpol; também devido às farras pós (e entre...) concertos em que o grupo tem embarcado. A mais famosa, até à data, foi uma noitada, dias antes desta conversa, no apartamento do quarteto britânico The Libertines, famosos pela sua devassidão. A altas horas da madrugada, uma idosa e furiosa vizinha dos Libertines rumou até ao apartamento onde estes e os Interpol se encontravam. Armada de um machado, deu de caras com dois dos elementos dos Interpol que abandonavam a festa. Um dos músicos era, precisamente, Carlos (o outro era Paul, o vocalista).Este poderá ser um caso daqueles onde a realidade é mais estranha do que a ficção, mas Carlos garante que a coisa aconteceu mesmo: "Sim, sim. É uma história verdadeira. Foi de doidos. Não estávamos a fazer uma festa estrondosa, mas estávamos acordados bastante tarde e já bastante tocados quando tudo aconteceu". Acrescenta: "Foi muito estranho ver os jornais darem importância ao acontecimento. Não sabíamos que éramos importantes ao ponto de a imprensa se preocupar com o que fazemos nas nossas folgas." Pelos vistos são.fantasmas. Não são só os escândalos que tornam os Interpol interessantes e material passível de aparecer nos jornais. "Turn On The Bright Lights", o álbum de estreia, é razão suficiente para se falar a torto e a direito deles. Tingido de tons escuros, polvilhado por pontos de luz (como as lâmpadas que surgem na capa do disco), "Turn On The Bright Lights" é uma homenagem às bandas britânicas introspectivas, tristes que nos prendiam dia após dia quando, nos anos 80, devorávamos programas como "O Som da Frente". É assim: o fantasma de Joy Division, The Sound, Chameleons, Wire, Echo & The Bunnymen. E também (no tema "Say Hello To The Angels", que tem a secção rítmica mais trepidante do disco) o dos Smiths - de tal modo o fantasma da banda de Morrissey aparece que não é difícil reconhecer o baixo e a bateria de "This Charming Man". Mas "Turn On The Bright Lights" lembra também um disco esquecido, "Rue de Siam", dos franceses Marquis de Sade. Para nossa grande desilusão, Carlos diz que não consegue perceber o que há de anos 80 no álbum. "Não faço ideia porque é que nos estão sempre a dizer que soamos à anos 80. Parece que agora há uma histeria à volta do anos 80. Mas não vejo nada de anos 80 em nós. Quando estamos a escrever uma canção só nos interessa perceber se soa bem ou mal. Não nos preocupamos se é, ou não, parecida com este ou aquele grupo."Carlos também não parece sensível à ideia de que existe uma sonoridade britânica do grupo, várias vezes denominado "o mais inglês dos grupos americanos". "Não faço ideia. Não sei mesmo o que é que isso quer dizer. Andamos a tocar a mesma coisa há anos. Sempre quisémos fazer uma coisa nossa, que não fosse semelhante ao que os outros grupos faziam." Mas há algumas coisas das quais Carlos está certo. Uma delas é que há, de facto, uma cena musical activa em Nova Iorque. "Não do modo exagerado como ela é descrita, mas, de facto, está a passar-se muita coisa na cidade. No início de toda esta excitação à volta de uma hipotética cena musical de Nova Iorque eu não concordava com essa imagem de uma cena movimentada, criativa. Havia apenas umas quantas bandas a tentarem fazer coisas e era tudo. Agora, há realmente muitas coisas a acontecer." A efervescência acabou por beneficiar os Interpol, ligando-os a um movimento mais vasto e que tem sido vendido como "a nova cena" da cidade. "Há muito tempo que andamos a lutar para editar um álbum e que andamos a dar concertos. Nessa altura, como não havia nenhuma 'cena', ninguém nos ligava nenhuma. Sempre quisémos afirmar a nossa identidade e, com ou sem cena de Nova Iorque, estaríamos a fazer o mesmo. Posto isto, é óptimo associarem-nos a algo de mais vasto e vermos o nosso nome lado a lado com o de outros artistas de que gostamos. E, claro, tem sido bom para a nossa carreira".Paralelamente ao interesse renovado pela música de Nova Iorque, os Interpol beneficiaram, pelo menos no Reino Unido, da ajuda dos escoceses Delgados. Chemikal Underground, editora de que os Delgados são donos, começou a editar, no final de 2000, uma série de EP's intitulada "Fukd I. D." que conta já com cinco números. O terceiro deles é o EP dos Interpol, que foi lançado a 11 de Dezembro de 2000. A escolha dos Interpol para a série deveu-se ao facto de um dia Daniel ter conseguido entregar a Emma Pollock (vocalista/guitarrista dos Delgados) uma demo da banda. Ela gostou do que ouviu."Termos conhecido os Delgados foi importante para nós, pois foi a através da editora deles que saíu o nosso primeiro EP. Saíu apenas no Reino Unido, mas ajudou imenso a tornar o nosso nome conhecido. Por isso, agora que temos o álbum, tem sido fácil chegar às pessoas. E a nossa aparição no Festival de Reading deste ano, onde fomos extremamente bem recebidos, também contribuiu para espalhar o nosso nome". Falta virem até cá mostrar o que valem ao vivo. Em disco, são banda para se tocar várias vezes ao dia.

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