A GNR em Números
Existem, em todo o território nacional, dez unidades dentro da GNR, as quais totalizam cerca de 26 mil efectivos assim distribuídos: Quatro Brigadas Territoriais (nº2, nº3, nº4 e nº5), com cerca de 18.000 efectivos Duas Unidades Especiais: Brigada de Trânsito, com cerca de 2.500 efectivos e Brigada Fiscal, com cerca de 4.000 efectivos Duas Unidades de Reserva: Regimento de Cavalaria, com cerca de 800 efectivos e Regimento de Infantaria, com cerca de 800 efectivos Comando-Geral, cerca de 800 efectivos Escola Prática, cerca de 800 efectivos |
Judiciária investiga 400 militares da GNR
A Judiciária fala de um esquema de extorsão generalizado e a Guarda Nacional Republicana enfrenta uma crise de credibilidade sem precedentes.
A "Operação Centauro", desencadeada ontem pela Polícia Judiciária, conduziu à detenção de 37 praças (soldados e cabos) e sargentos da Brigada de Trânsito (BT) por suspeitas dos crimes de corrupção, extorsão e abuso de poder e envolveu 82 buscas num perímetro geográfico situado entre Viseu e Setúbal. Estas detenções correspondem à investigação de um processo, o maior dos últimos anos a envolver elementos de uma força de segurança, que começou em Fevereiro de 2001 e partiu de um universo de suspeitas em relação a cerca de 400 agentes da BT.
As buscas e as detenções começaram a ser feitas ontem de madrugada por um contingente de 300 homens da Polícia Judiciária, envolvendo a esmagadora maioria dos efectivos da Direcção Central de Combate ao Crime Económico e uma parte significativa da Directoria de Lisboa. As buscas foram realizadas nas residências particulares dos agentes da BT, em alguns destacamentos e postos mas também em dezenas de empresas que pagavam periodicamente somas de dinheiro em espécie, cheques, senhas de gasolina e outro tipo de meios de remuneração, designadamente facilidades de abastecimento de combustíveis a viaturas privadas, materiais de construção, prendas no Natal e na Páscoa.
Lisboa, Viseu, Mealhada, Leiria, Pombal, Montemor-o-Velho, Santarém, Cantanhede, Setúbal e dezenas de locais na região de Lisboa, nomeadamente Carcavelos, Barreiro e Carregado, foram os locais onde decorreram as buscas.
"Provas irrefutáveis"Uma das conclusões a que se chegou aponta para que alguns dos guardas agora detidos pagassem a colegas quantias "de dezenas de contos" para efectuarem determinados serviços. Fonte policial disse ao PÚBLICO que "tudo aponta para que, ao efectuarem determinados serviços, mesmo quando se encontravam de folga, viessem a colher lucros de tal modo elevados que lhes permitiam pagar as trocas e ainda embolsar muito dinheiro".
Estes dados sustentam, por sua vez, declarações da ex-directora nacional adjunta da PJ, Maria José Morgado, segundo a qual já "existiam provas irrefutáveis de corrupção" na BT.
As detenções dos novos 38 suspeitos inserem-se numa investigação iniciada em Fevereiro de 2001, altura em que a Judiciária criou uma equipa para averiguar, em exclusivo, os rumores de corrupção na BT. Estas operações desencadearam-se após a denúncia, por parte do Comando da própria GNR, de suspeitas de corrupção. Nos meses que se seguiram, e com especial incidência desde o início deste ano, fizeram-se "dezenas de operações", que incluíram filmagens da actuação dos agentes suspeitos. Em simultâneo, analisaram-se também as escalas de serviço relativas aos elementos detectados e consultaram-se algumas contas pessoais.
O PÚBLICO apurou que há também um caso de uma empresa cujos responsáveis podem vir a ser detidos pela Polícia Judiciária.
Nas buscas ontem efectuadas foram apreendidos documentos com anotações escritas sobre as empresas que pagavam e as correspondentes somas. Em alguns casos, a "escrita" estava inclusive feita e registada em computador.
A PJ apurou uma correspondência exacta entre as anotações constantes dos documentos, divididas pelas rubricas de "pessoas", "empresas" e "números", e os registos de dinheiro recebido ou senhas e cheques auto entregues. Foram recolhidos registos de depósitos bancários e concluiu-se que essa forma de recebimento correspondeu sobretudo a uma fase anterior às primeiras prisões feitas, no Algarve.
Depois disso, a maior parte dos agentes envolvidos evitou receber em cheque e exigiam sobretudo dinheiro vivo. Na maior parte dos casos, os agentes, com um salário médio de 750 euros, recebiam entre 250 a 375 euros por dia, o que lhes permitia receber efectivamente mais de 2500 euros por mês, havendo casos de "salários paralelos" que poderiam ir para lá dos cinco mil euros.
O esquema da extorsãoForam feitas intercepções telefónicas e vigilâncias ao longo de quase dois anos que permitiram delinear as formas de actuação. No caso mais comum, os motoristas já iam preparados com as somas habitualmente exigidas (cerca de 50 euros de cada vez), mas foram apurados outros em que as empresas estavam preparadas para acorrer de imediato ao local para efectuar o pagamento ou para acordar o momento e a forma de pagamento posterior. Foram detectadas situações de empresas que têm pessoas exclusivamente encarregadas de efectuar os pagamentos exigidos pelos agentes da Brigada de Trânsito.
A investigação evoluiu sobretudo para o crime de extorsão, porque foram determinadas formas de retaliação que, na prática, colocavam as empresas perante o dilema de ter de pagar uma espécie de "imposto" para poderem trabalhar com os camiões. Isto é, foi determinado um padrão de comportamento, tanto da parte da BT como das empresas, que passava pela exigência do dinheiro e pela aceitação do pagamento para não ser submetido a retaliações que poderiam passar pelo "encerramento" das vias rodoviárias aos camiões de uma determinada empresa nas áreas circundantes das suas instalações ou dos locais onde trabalhavam no transporte de materiais.
O facto de haver suspeitas sobretudo do crime de extorsão faz com que as empresas não sejam acusadas - o que aconteceria se o crime fosse de corrupção apenas. Por isso, os seus responsáveis comparecerão, sobretudo, a prestar declarações no processo na qualidade de testemunhas.