Cirurgia endovascular resolve obstrução das carótidas

A cirurgia endovascular - intervenção feita com cateteres, evitando a cirurgia clássica mais invasiva - é cada vez mais uma arma adicional da medicina vascular. Obstruções das mais variadas artérias são frequentemente tratadas com esta técnica. No entanto, os médicos dividem-se em relação a esta prática. Se, por um lado, os riscos para a saúde dos pacientes são menores, os custos do material e o pouco conhecimento ainda existente sobre a técnica dão peso aos argumentos dos mais cépticos. O PÚBLICO assistiu a uma intervenção a uma estenose da carótida, que acabou, em cerca de uma hora e meia, com um final feliz e um doente consciente e sem dor.

Para a equipa de Duarte Medeiros, cirurgião vascular do Hospital de Santa Marta, em Lisboa, o único caminho entre a artéria femural, na virilha e a carótida, no pescoço, é como uma auto-estrada. Está tudo preparado, no bloco operatório para percorrer essa auto-estrada com um cateter. Gil Ladislau, 58 anos, já está pronto na marquesa. Bastará cerca de uma hora e meia para fazer o percurso e cumprir o objectivo: desobstruir uma carótida.

A carótida direita de Gil Ladislau não está nas melhores condições, sofre de uma fibrose, o engrossamento das paredes desta artéria, que provocou uma estenose, aperto, de quase 90 por cento do canal. Isto impede a irrigação normal do cérebro e aumenta o risco de uma trombose: "O doente já sofreu isquémias [fornecimento insuficiente de sangue a um tecido ou órgão] cerebrais por causa disto", explica Duarte Medeiros, que coordena a equipa de nove pessoas, entre enfermeiros, radiologistas e técnicos, que vão fazer com que a carótida de Gil Ladislau volte ao estado ideal e deixe de pôr a sua vida em risco.

O objectivo é desobstruir a carótida sem abrir a zona do pescoço, como acontece numa cirurgia invasiva. Esta é uma zona muito delicada para a cirurgia: "Proporcionalmente à área que ocupa, o pescoço é uma das regiões onde se encontram mais áreas nobres", explica Duarte Medeiros. Num pequeno espaço, juntam-se as jugulares, o nervo pneumogástrico - que enerva o pulmão, o estômago e o coração, por exemplo - e ainda o esófago, a laringe e muitas outras estruturas fundamentais. "Qualquer intervenção cirúrgica tem de ser muito cuidadosa."

Há até casos em que a cirurgia convencional não é mesmo recomendada: "Quando a cirurgia convencional já foi efectuada antes, quando o paciente foi submetido recentemente a tratamentos de radioterapia, ou quando se trata de um pescoço muito curto e as lesões são muito próximas da base do crânio, o ideal é partir para uma intervenção endovascular."

Neste caso específico, a equipa optou pela cirurgia endovascular. Não vai precisar de abrir a carótida de Gil Ladislau. São dez horas da manhã, no bloco operatório do serviço de cirurgia vascular de Santa Marta. Está tudo a postos. O doente vai ficar acordado. Só será anestesiado localmente, até porque outra intervenção recente na base da língua não lhe permite ser entubado. Está calmo e a companhia da filha Dora, que é enfermeira, ajuda a que tudo corra ainda melhor.

O trabalho é acompanhado por um radiologista e um técnico de radiologia. Passo a passo, com angiogramas constantes e injecções de um líquido de contraste, que tornam visíveis as artérias, os especialistas vêm o caminho a traçar pelo cateter da virilha à carótida. Os angiogramas são os olhos do cirurgião.

Começa então a viagem à carótida. Um cateter muito fino, de dois a três milímetros de diâmetro, entra pela veia femural e sobe até à carótida. A primeira fase da intervenção serve apenas para traçar o "road map" da viagem, explica o anestesista Carlos Martins. E para deixar um fio-guia, que depois ajudará um segundo cateter a levar a endoprótese e o restante material até à zona da lesão da carótida.

"Está feito o 'road map', diz o técnico de radiologia Carlos Mota, responsável por manobrar o raio-X, que vai mostrando o caminho a Duarte Medeiros e à radiologista Isabel Nobre. Chegou a altura de desobstruir a carótida de Gil Ladislau.

Dentro do segundo cateter segue primeiro uma membrana porosa, feita de um material altamente maleável, que, em contacto com o sangue quente, toma o seu tamanho normal. Essa membrana deve ser colocada, meticulosamente, logo depois da lesão, onde se fixa, como um pequeno guarda-chuva, que não tem mais que o perímetro de uma ervilha. A sua função é filtrar o sangue para que nenhum coágulo, ou pequeno trombo, alojado na carótida decida viajar livremente sem autorização e fazer estragos, como provocar uma trombose.

É a vez de seguir um setente, dispositivo que se fixa nas paredes na carótida, cobrindo toda a parte lesionada. A obstrução é finalmente resolvida com um outro dispositivo que viaja pelo cateter - um balão que alarga a parede da carótida até à dimensão ideal, para que o sangue continue a circular de forma normal e sem perigo.

A endoprótese usada, que se fixa assim na zona da lesão restituindo a ordem normal, será sempre visível em futuros exames e está perfeitamente concebida para aquele espaço: "As próteses são hoje como fatos por medida", diz Duarte Medeiros.

No fim, a intervenção correu bem. E Gil Ladislau sente-se bem, até já esboça um sorriso, algo que só conseguiu quando ouviu, entre os médicos, alguém dizer: "Pronto, já está."

Duarte Medeiros conta que esta cirurgia pode complicar-se de repente: "Não é uma intervenção fácil." Se um coágulo passar para o cérebro, por exemplo, a única saída é operar convencionalmente de imediato. Esta foi apenas a terceira vez que se fez esta intervenção em Santa Marta, e Duarte Medeiros foi o primeiro a fazê-la no hospital.

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