Cientista português descobre genes comuns em vários tipos de células estaminais

O investigador português Miguel Ramalho Santos, a trabalhar há cinco anos no Departamento de Biologia Celular e Molecular da Universidade de Harvard, em Cambridge (EUA), publica hoje um artigo que revela um pouco mais da essência das células estaminais ou indiferenciadas - células com a capacidade de vir a dar origem a todos os tipos de células de um ser vivo.

A equipa de Miguel Santos descobriu que há 216 genes que se encontram muito activos em três tipos diferentes de células estaminais: nas embrionárias, com a tal capacidade de originar todas as outras, mas também nas do sangue e neuronais, que já só originam os vários tipos de células sanguíneas e do cérebro, respectivamente, e não da pele ou coração, por exemplo.

Qual é a importância desta descoberta divulgada na "Science Express", a publicação na Internet dos artigos que aparecerão na revista "Science"? Quanto mais se souber sobre a natureza das células estaminais, mais fácil será aprender a controlá-las. Daí que os cientistas estejam entusiasmados com elas por oferecerem potencialidades tremendas no desenvolvimento de terapias para doenças hoje incuráveis. "Não sabíamos que genes usar para manipular as células estaminais e transformá-las nas células que desejamos obter nas terapias do futuro. Agora, sabemos quais são os ingredientes de uma célula estaminal - ainda não sabemos é como fazê-lo."

Se um dia se conseguir retirar células estaminais de embriões que sejam clones de um indivíduo, poder-se-á depois manipulá-las até as transformar nos tecidos desejados a fim de tratar doenças como a de Alzheimer, a de Parkinson ou a diabetes. Destas células poder-se-ão fazer células do cérebro, do pâncreas ou de outro órgão qualquer, já diferenciadas e "especializadas" em certas funções.

Mais: essas células retiradas do embrião que é clone não serão rejeitadas pelo doente pois são geneticamente iguais a ele. O problema da rejeição também será evitado se, ao invés de células estaminais embrionárias, se usar células estaminais adultas. Todos temos algumas destas células nos nossos corpos mas elas já não são tão polivalentes como as embrionárias: possuem já alguma especialização, por serem células estaminais do cérebro ou do sangue, mas permitem contornar as questões éticas, por evitarem a clonagem humana e a destruição dos embriões.

Miguel Santos não usou células humanas. Eram todas de ratinhos, incluindo células já completamente diferenciadas do cérebro e do sangue. "É a primeira vez que os três tipos de células estaminais que estão melhor caracterizadas são analisados sistematicamente quanto à sua actividade genética", sublinha.

Começou por detectar milhares de genes nas tais células estaminais de embriões, do sangue e do cérebro, e fez a comparação entre elas, até que determinou os tais 216 genes. "Estes 216 genes são bons candidatos a serem reguladores das propriedades específicas das células estaminais", diz Miguel Santos.

Nessas propriedades específicas inclui-se, além da capacidade de darem origem às outras células do organismo, a auto-renovação, por serem uma fonte inesgotável de si próprias ao multiplicarem-se quase infinitamente. "A nossa hipótese é que este grupo de genes seja regulador destas duas propriedades específicas das células estaminais." Se for assim, poderá significar que as células de adultos também tenham grande capacidade de auto-renovação e diferenciação - havendo muito entusiasmo quanto à possibilidade de as células estaminais de adultos conseguirem transformar-se em muitas das outras, embora estes estudos estejam a ser contestados.

Uma surpresa

Mas a hipótese de os 216 genes serem reguladores das duas propriedades das células estaminais em geral é só isso mesmo, uma hipótese. A equipa de Miguel Santos ainda não fez qualquer estudo das funções dos genes. Como tal, desconhece o papel da maior parte desses genes. Sabe tão-só que estão em actividade. "Não sabemos se neste grupo estão os genes que permitem às células estaminais embrionárias terem o seu grande potencial, que é maior do que nas de adultos."

A razão para a incerteza é esta: "Nas células estaminais embrionárias, detectámos 1800 genes sobreactivados. Destes 1800 genes, 216 estão também sobreactivados nos outras células estaminais de adultos. Portanto, há mais genes específicos para cada tipo de células estaminais e depois só alguns são comuns."

Os cientistas tiveram ainda uma surpresa. Esperavam que as células estaminais de adultos fossem mais semelhantes entre si em relação aos genes que activam do face às embrionárias. Descobriram que não é assim: "As células estaminais embrionárias e as do cérebro têm grandes semelhanças, e as células estaminais do sangue são um grupo à parte."

Experiências de várias equipas têm mostrado, aliás, que é mais fácil desenvolver neurónios de células estaminais embrionárias do que outros tipos de células. "Talvez tenha a ver com essa semelhança", especula.

Mas trata-se de boas notícias para os cientistas continuarem a gerar neurónios a partir das células estaminais de embriões, de forma a tratar doenças degenerativas. É sobretudo no tratamento destas doenças, através da regeneração dos tecidos cerebrais, que se depositam muitos sonhos, já que, apesar de tudo, há a hipótese de transplantar os outros órgãos - o cérebro é que não.

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