Era Uma Vez Dois Rapazes

Hugh Grant é um solteirão empedernido, cínico e egoísta, mas o encontro com um miúdo solitário encarregar-se-á de o fazer ganhar consciência de outros valores. Portanto, "A história de um rapaz", que adapta um livro de Nick Hornby, conta a história de dois rapazes: um pequeno e desadaptado, outro grande mas irresponsável.

Segundo a imprensa que cobre a indústria cinematográfica americana, quando a produtora de Robert DeNiro, TriBeCa, começou a procurar por um protagonista para "Era uma vez um rapaz"/"About a Boy", a escolha inicial foi George Clooney. Recusou. Brad Pitt? Disse que não. Só depois é que se lembraram de Hugh Grant.

É estranho que Grant tenha sido apenas a terceira escolha para um projecto como este, baseado no livro de Nick Hornby. É que a personagem de Will Freeman assenta-lhe que nem uma luva: um inglês alegremente solteiro, que vive confortavelmente em Londres das "royalties" de uma canção de Natal que o pai escreveu há décadas, recusando envolvimentos sérios - um adulto que se recusa a deixar de ser adolescente. A cena crucial para definir a personagem aparece no início, quando ela se recusa a ser padrinho do filho de um casal de amigos e explica: "Não, vocês entenderam-me mal. Eu realmente sou mesmo assim tão superficial como pareço."

"O Will faz parte de uma certa geração dos anos 80 e início dos anos 90, a minha geração, a dos 'yuppies' demasiado preocupados com dinheiro e um certo estilo de vida e sem tempo para relações humanas", explicou Rachel Weisz, que aparece num papel secundário em "About a Boy", ao Y, num encontro com a imprensa em Nova Iorque.

Will descobre que é fácil iniciar e quebrar relações com mães solteiras, e inventa um filho fictício para poder ir atrás de mulheres em encontros de pais solteiros. É através de um desses encontros de pais solteiros que Will acaba por conhecer Marcus, um miúdo de 12 anos cuja mãe é uma ex-"hippie" com tendências suicidas. Marcus não tem ninguém para lhe explicar os truques para sobreviver no mundo cruel da pré-adolescência, como quais as sapatilhas correctas para usar, ou que tipo de música ouvir.

geração preguiçosa. Alguns actores de Hollywood passam toda a sua carreira a interpretar a mesma personagem. John Wayne foi sempre John Wayne, Bogart foi sempre Bogart e Eastwood continua a ser Eastwood. A dado ponto da sua carreira, Hugh Grant especializou-se a interpretar Hugh Grant. No filme que o tornou vedeta, "Quatro Casamentos e um Funeral", interpretava um inglês trapalhão, ingénuo e tímido. A personagem é intercambiável com as de "Notting Hill" ou "Mickey Blue Eyes" ou "Nine Months".

Com "O Diário de Bridget Jones", fugiu ao molde. A personagem tinha tiques do estereótipo de "Quatro Casamentos", mas era detestável (tanto que acabava punido à pancada e nem ficava com a rapariga).

"Foi bom deixar de fazer de bom da fita. Isso era frustrante, porque as pessoas pensam primeiro que só sei fazer isso, e segundo que sou assim na vida real", queixou-se Grant. É um exagero descrever o Will Freeman de "About a Boy" como odioso, mas também não é o Hugh Grant boa pessoa do costume.

No entanto, "About a Boy" só representa uma fuga à personagem-modelo até certo ponto. Na parte final, a personagem até acaba por se tornar simpática. "Ainda bem que acha isso. Essa é a reacção correcta."

"O Will faz parte de uma geração preguiçosa de pessoas em Inglaterra que cresceram quando a televisão estava a ficar mesmo muito boa", disse Grant. "A TV inglesa teve uma idade de ouro em que era impossível não estar a ver televisão o tempo todo. E isso produziu um certo tipo de pessoa desligada do mundo, imersa na televisão, seres humanos cínicos e irónicos."

"Viajando a um sítio como a América, onde a TV tem alguns programas bons, mas é em geral impossível de aturar, nota-se que as pessoas têm uma atitude diferente, porque não passaram a infância toda em frente do televisor."

cem por cento inglês. Will, esse eterno adolescente, vai ser uma espécie de professor para o miúdo Marcus. Marcus, em troca, ensina a Will como voltar a ser um ser humano normal, e a rejeitar o seu lema de que "todos os homens são ilhas". É neste ponto que o filme se podia tornar num dramalhão piegas. Mas isso não acontece. A principal razão é que o livro de Hornby evita as armadilhas a que a sua premissa podia conduzir. A segunda é a escolha para o papel do miúdo, Nicholas Hoult, cuja interpretação supera o habitual em actores-crianças. "Fizemos audições a todos os putos de 12 anos em Inglaterra. Um dia o Nicholas apareceu e era perfeito, estranho mas não estranho demais", contou Grant.

Nicholas Hoult também participou nas entrevistas com a imprensa, com um à-vontade e uma candura invulgares num actor estreante, quanto mais num de 12 anos. "Porque é que eles me escolheram para fazer de Marcus? Bem, paguei aos produtores." Quando lhe perguntam se foi difícil fazer um corte de cabelo antiquado e usar o género de roupas ridículas que garantem espancamentos frequentes nas escolas públicas inglesas, Hoult fez uma cara a fingir tristeza: "Bom, na verdade as roupas que eu uso no filme eram minhas."

A pergunta número um que lhe fazem, claro, é "como é que é o Hugh Grant na vida real?" "É um imbecil total. Pior actor do mundo, irresponsável. Uh, estou a brincar, vejam lá não escrevam isso." Aparentemente, na Inglaterra as pessoas já nascem com este tipo de sentido de humor.

Os realizadores de "About a Boy" são Paul e Chris Weitz. O nome desta dupla de irmãos parece familiar? Eles foram os autores de "American Pie", a comédia para adolescentes com um humor de caserna que ficou célebre pela cena que lhe deu o título - em que um rapaz se relacionava intimamente com uma "american pie".

"Trabalhei com a TriBeCa numa lista de realizadores", explicou Grant. "Pareceu-me um conceito meio-doido, embora goste muito do 'American Pie'... Não se riam, a sério que gosto. Este filme não tem nada a ver com esse tipo de humor, a ideia parecia estranha. Mas depois conhece-se os dois e eles são incrivelmente diferentes do que se podia esperar. São os realizadores mais intelectuais que conheço. São pessoas com grande sensibilidade artística."

"O Nick Hornby disse-nos que gostou muito da maneira como adaptámos o livro dele, mas isso é só ele a dar 'graxa'", explicaram os Weitz (não só realizam filmes juntos, também dão entrevistas juntos: "Podíamos dividir tarefas, mas não confiamos o suficiente um no outro").

A escolha dos Weitz é curiosa, porque são americanos e tudo em "About a Boy" é indubitavelmente inglês. Os irmãos contam que a TriBeCa pensou em transpor o filme para um cenário americano (como aconteceu com a adaptação de outro livro de Hornby, "Alta Fidelidade"), mas que eles resistiram. "Houve pressões, e também queriam meter uma estrela americana. Se calhar devíamos mesmo ter feito isso."

Se calhar, deviam. "About a Boy" passou despercebido num Verão de mega-"blockbusters". Rendeu uns modestos 40 milhões de dólares nas bilheteiras americanas. De nada valeu uma campanha de "marketing" que tentou vender o filme como um "'Bridget Jones' para homens".

"Esse era um bom conceito de 'marketing', mas é preguiçoso", segundo Grant. "Há pontos de contacto entre os dois filmes, os progonistas são solteiros e a história passa-se em Londres, mas este filme insiste menos no lado romântico."

Grant revê-se em parte em Will Freeman, pelo menos até se ter tornado uma estrela com "Quatro Casamentos". "Até essa altura, eu era assim. Eu e os meus amigos refinámos não fazer nenhum até um forma de arte. Passávamos dias e noites a ver televisão e a jogar bilhar. Chegámos ao ponto em que nos divertíamos mais com TV, filmes, música, brinquedos, que com outras pessoas, porque as pessoas são mais complicadas, podem provocar dor."

Durante os seus tempos de indolência, Grant chegou a iniciar aquele projecto típico de pessoas com muito tempo entre mãos e pouca coisa com que o ocupar - um livro baseado na sua vida. Chamava-se, tipicamente, "Slack" (palavra inglesa difícil de traduzir, a meio-caminho entre "preguiça" e "desleixo") e, tipicamente, Grant não conseguiu chegar ao fim. "Um dia destes hei-de acabá-lo."

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