A odisseia fiscal de João Cebola

O processo do "único cidadão português e, talvez, do mundo ocidental a ir parar à cadeia por dever dinheiro ao fisco" começou em Setembro de1995 com a entrega à Procuradoria de um dossier anónimo e terminou este mês com a sua condenação por emissão de facturas falsas

No início de Maio de 1996, João Cebola, ex-presidente do conselho de administração da Oliva Indústrias, sentava-se no banco dos réus acusado de seis crimes de abuso fiscal por retenção indevida de 540 mil euros (108 mil contos) de IVA, entre Dezembro de 1993 e Dezembro de 1994. Na origem do processo esteve um "dossier" anónimo, entregue à Procuradoria-Geral da República em Setembro de 1995, relativo a actos de gestão praticados por Cebola na Oliva . Em 18 de Dezembro de 1995 o empresário foi detido preventivamente, ficando a aguardar julgamento no Estabelecimento Prisional do Porto. O primeiro dia no tribunal foi duro, com a sessão a durar sete horas. Mas Cebola tinha estudado os argumentos para justificar as falhas de pagamento ao Estado: a recessão de 1993, o projecto de modernização da Oliva avaliado em cerca de 13 milhões de euros, ao abrigo do PEDIP, e ainda o estrangulamento de tesouraria e financeiro causado, dizia, pela banca. Sem esquecer o mais controverso: o gestor dizia ter preferido pagar os salários aos trabalhadores em detrimento do Estado. "Eu ia para cama com três mil pessoas todas as noites", disse, referindo-se aos 800 operários e respectivos familiares que dependiam da empresa de fundição. Cebola era o primeiro e único empresário a sentar-se no banco dos réus por fuga ao fisco. A 24 de Maio de 1996, o empresário foi condenado a dois anos de pena de prisão efectiva, por crime continuado de abuso de confiança fiscal por retenção ilegal de IVA, pelo colectivo do Tribunal de São João da Madeira, presidido por António Terrível Roxo. Por outro lado, a Oliva, gerida por Cebola até final de 1995, foi condenada, pelo mesmo crime, a pagar uma multa de 550 mil euros. Cebola não esteve presente na leitura da sentença, por razões de saúde, as mesmas que o seu advogado alegou para que o gestor pudesse aguardar o julgamento em liberdade, o que foi negado. O Ministério Público (MP) reclamou dois a três anos de prisão, com aceitação de suspensão da pena mediante o pagamento do IVA em dívida, com juros. Mas a decisão final foi mais longe, procurando fazer do processo um caso exemplar de combate à evasão e fraude fiscais.O advogado de Cebola, Miguel Pereira de Abreu, recorreu contra a pena de prisão efectiva do único empresário português a ser condenado por retenção de impostos. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) aceitou suspender a pena por três anos. Para esta decisão contou o facto de Cebola ter proposto pagar a dívida através da entrega de bens, o facto de o arguido não ter antecedentes criminais, bem como ao seu estado de saúde - o empresário tinha sofrido operações cirúrgicas ao pâncreas e duodeno. Após 13 meses na cadeia, Cebola saiu da prisão, mas ficou impedido de retomar funções na Oliva. À saída do estabelecimento prisional, Cebola estava visivelmente insatisfeito por ser "o único cidadão português e talvez do mundo ocidental a ir parar à cadeia por dever dinheiro ao fisco". "Muitos outros andam por aí, dizem até na televisão que não pagam e nada lhes acontece", acrescentou na altura. A história de Cebola não terminou aqui. Em sequência de uma investigação levada a cabo pelo MP sobre a Oliva, o empresário voltou a tribunal com três processos cuja sentença foi lida a 12 de Julho, sem a presença de Cebola - que, aliás, não assistiu a nenhuma audiência do julgamento, devido, uma vez mais, a problemas de saúde. O ex-presidente da Oliva foi condenado a 22 meses de prisão, com pena suspensa por quatro anos, por "um crime continuado de fraude fiscal", por emissão de facturas, entre 1992 e 1994, no valor de mais de 460 mil euros, alegadamente pagas pela ex-Oliva à Sociedade de Construções Pacense, e que não tinham qualquer correspondência com a realidade. A Oliva foi ainda condenada a pagar uma multa de 145 mil euros, referentes a irregularidades fiscais. A pena foi suspensa por três anos, tendo a empresa o prazo de 24 meses para liquidar a dívida, que trouxe vários prejuízos para os cofres do Estado. Os restantes arguidos, sete antigos administradores, foram absolvidos, provando-se que "agiram no cumprimento das suas funções" e que não tinham a responsabilidade de fiscalizarem se as obras, correspondentes às facturas emitidas, tinham ou não sido efectuadas. Nos restantes dois processos, Cebola e os outros arguidos, entre os quais o seu filho, John Cebola, foram absolvidos.

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