Toumaï, o membro mais velho da família humana

Uma equipa internacional de cientistas apresenta hoje, na revista científica "Nature", o que diz ser o mais antigo membro da família humana descoberto até ao momento - o Toumaï, como foi baptizado, por ser o nome dado às crianças que nascem perto da estação seca no Chade, o país onde o fóssil foi encontrado. O novo hominídeo viveu há quase sete milhões de anos, uma altura da evolução humana sobre a qual pouco se sabe. Daí que, por ser apresentado como o nosso antepassado directo mais antigo depois da separação entre humanos e chimpanzés, a equipa defenda tratar-se do elo perdido da evolução humana.O anúncio do novo hominídeo, feito em dois artigos científicos, baseia-se na descoberta, entre Julho do ano passado e Fevereiro deste ano, de um crânio quase completo, dois fragmentos de mandíbulas inferiores e três dentes no deserto de Djurab, no nordeste do Chade, na África Central.Nos artigos, a equipa de Michel Brunet, da Universidade de Poitiers, em França, e de Patrick Vignaud, da mesma universidade, descrevem o novo hominídeo e o ambiente em que vivia, perto de um lago mas não longe do deserto, por causa da fauna associada ao achado. Dizem que os seis fragmentos de hominídeo pertencem a uma nova espécie e género - o "Sahelanthropus tchadensis" - e que são de pelo menos de cinco indivíduos diferentes. A importância do Toumaï reside sobretudo na antiguidade. Os seus quase sete milhões de anos fazem com que tenha vivido durante um intervalo de tempo crucial na evolução humana mas que permanece obscuro, sublinha um comunicado da "Nature". Há dez milhões de anos, a Terra estava repleta de macacos. Mas há cinco milhões de anos, já tinham aparecido os hominídeos, até porque os primeiros fósseis bem preservados são desse tempo. (Um hominídeo é um membro da família humana, que inclui os seres humanos actuais - o "Homo sapiens sapiens", a nossa espécie -, e os nossos antepassado mais directos. É distinto dos chimpanzés ou dos gorilas). Foi entre aqueles dois marcos temporais que a linhagem humana se separou da dos chimpanzés, os nossos parentes mais próximos. Só que os fósseis daquele período são muitos escassos: resumem-se a uns restos fragmentados, que cabem todos numa caixa de sapatos. Por isso, há quem diga que a descoberta deste crânio e dos outros fragmentos de um hominídeo com quase sete milhões de anos pode significar uma reviravolta no conhecimento das origens humanas, como defende Daniel Lieberman, da Universidade de Harvard, nos EUA: "Isto terá o impacto de uma pequena bomba nuclear." E Henry Gee, editor da "Nature" na área da paleontologia, frisa: "Toumaï é o fóssil mais importante, rivalizando com a descoberta do primeiro 'homem-macaco', o 'Australopithecus africanus', há 77 anos - a descoberta que fundou a paleontologia moderna."O crânio do Toumaï apresenta um misto de características primitivas e evoluídas: isto que sugere uma relação próxima ao último antepassado comum aos homens e chimpanzés e também o aponta como o provável antecessor de todos os hominídeos. Desta forma, a separação entre os humanos e os chimpanzés teria acontecido mais cedo do que se pensava (há pelo menos quase sete milhões de anos), ao contrário do que indicam alguns estudos baseados na biologia molecular. A caixa craniana do Toumaï é muito parecida com a dos chimpanzés, mas o rosto é mais pequeno e os dentes, em particular os caninos, também são mais pequenos e semelhantes aos de um humano. O Toumaï possui ainda sobrancelhas proeminentes, com uma forma nunca encontrada fora do nosso próprio género, o "Homo". Estas características podem querer dizer que o Toumaï, ainda que remoto, é-nos mesmo próximo. "Toumaï, o hominídeo mais antigo, pode ser considerado o antepassado de todos os hominídeos que apareceram depois - ou seja, é o antecessor da linhagem humana", reforça o comunicado. Antes desta descoberta, o título de hominídeo mais antigo era do "Orrorin tugenensis", descoberto no ano 2000 no Quénia. Os fragmentos de esqueletos de cinco indivíduos foram avaliados como tendo seis milhões de anos. Esta descoberta suscitou grande interesse na comunidade científica por se tratar, provavelmente, dos restos mais antigos de antepassados da família humana. Mas alguns cientistas duvidam que se trata de um membro da linhagem humana.A aventura científica que possibilitou a descoberta do Toumaï começou há mais de 20 anos, quando Michel Brunet e David Pilbeam, outro membro da equipa, iniciaram escavações nos Camarões. Desde 1994 que a equipa que fez esta descoberta - no âmbito da Missão Paleoantropológica Franco-Chadiana, que inclui 40 cientistas de dez países - anda a escavar no deserto de Djurab. Graças às tempestades de areia, os fósseis vão ficando expostos. "É muito emocionante ter mas mãos o início da linhagem humana. Estou à procura disto há 25 anos", afirma Brunet. Será que o Toumaï já era bípede? A equipa não sabe dizer com certeza, porque não encontrou fósseis das pernas. "A posição onde a coluna vertebral encaixa na cabeça não prova que era bípede, mas mostra que poderia ser", diz Brunet.Alguns cientistas, porém, não acham que o crânio represente o elo perdido da evolução humana. Ao invés, dizem que este novo hominídeo apoia a teoria da diversidade humana ser grande, como defende por exemplo Bernard Wood, da Universidade George Washington, nos EUA, num comentário na "Nature". "O 'Sahelanthropus tchadensis' é um candidato para a base da linhagem humana moderna, mas na minha opinião é impossível provar isso. A minha previsão é que o 'Sahelanthropus tchadensis' seja a ponta do icebergue da diversidade taxonómica durante a evolução dos hominídeos, há cinco ou sete milhões de anos."Também Chris Stringer, do Museu Nacional de História Natural, em Londres, se mostra prudente. "É muito cedo para dizer se o crânio pertence à nossa linha evolucionária directa", disse, citado pela agência Reuters. "Os antepassados dos gorilas e chimpanzés de há seis milhões de anos também permanecem por descobrir e, naquela altura, tinham sem dúvida ramos paralelos. Por isso, é provável que a imagem real da evolução seja ramificada, em vez de uma escada simples." Seja como for, os cientistas vão continuar à procura da resposta de uma perguntam fundamental: de onde viemos?

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