União Africana dá hoje primeiros passos no país de Mandela
Criada há quase 40 anos para vencer o colonialismo e o apartheid, a Organização de Unidade Africana transforma-se hoje em União Africana. Com o projecto ambicioso de pôr fim ao ciclo de guerras e pobreza e lançar a era do desenvolvimento económico do continente.
Impulsionado pelo dirigente líbio Muhamar Kadhafi, o homem que ambicionava ver um dia o nascimento dos "Estados Unidos de África", o projecto de UA tem hoje como figuras de proa o presidente do país anfitrião da cimeira, Thabo Mbeki, e o próprio secretário-geral da OUA, o marfinense Amara Essy. Kadhafi não reunia o consenso africano nem o prestígio internacional para credibilizar o lançamento solene da UA.
Os novos "líderes" da UA serão nomeados na cimeira de Durban, não sendo de excluir a recondução do actual secretariado, para um necessário período de transição. O reforço das instituições e o maior envolvimento dos países na resolução dos problemas do continente são vantagens esperadas da transformação da OUA em UA.
Da UA, espera-se ainda que defina o papel da organização no lançamento da NEPAD, Nova Parceria para o Desenvolvimento de África, apresentada na recente cimeira do G-8 no Canadá, pelos seus precursores, os chefes de Estado da Nigéria, Senegal, África do Sul e Argélia e visto como o melhor instrumento para colocar o continente na via do desenvolvimento económico, sugerindo, entre outras coisas, saídas para o problema da dívida externa dos países africanos.
Do Norte desenvolvido, aos mais pobres países da África negra sub-sariana, a OUA tinha até há pouco tempo como membros todos os países africanos, à excepção de Marrocos que se auto-excluiu em 1984. A organização acaba de suspender o Madagáscar devido à crise política resultante das eleições de Dezembro para, com isso, dar um sinal do seu respeito pelos princípios democráticos e de boa governação. Nunca antes o tinha feito. A OUA apenas, nalgumas ocasiões, condenou de forma vaga a tomada de poder pela força, ameaçando de expulsão os autores de golpes de estado.
A defesa das instituições democráticas, a boa governação e a protecção dos direitos humanos são objectivos agora expressos no acto constitutivo da UA. O presidente sul-africano Thabo Mbeki destacou-se no plano diplomático ao defender a suspensão do Zimbabwe da Commonwealth no seguimento das recentes violências políticas e eleições contestadas. Mas o que sobressaiu, segundo observadores, foram as hesitações africanas relativamente à política de Robert Mugabe no Zimbabwe, como reflexo de sentimentos contraditórios quanto a um verdadeiro compromisso na defesa desses valores.
A OUA foi, ao longo da sua existência, criticada por supostamente proteger ditadores, sob pretexto do seu princípio de não ingerência. Na nova filosofia, os estados membros da UA permitem-se agora intervir em "circunstâncias graves, nomeadamente, genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade".
Uma das grandes provas a dar pela UA será a da organização poder contribuir para a resolução dos conflitos que persistem em África, como os da República Democrática do Congo, Libéria e Sudão. E se até agora, a OUA se pode felicitar de ter recentemente ajudado a apaziguar a crise nas Comores, a guerra entre a Etiópia e a Eritreia e o conflito entre o Chade e a República Centro-Africana, certo é que a década de 90 ficará para a História, como aquela em que a organização panafricana assistiu impotente aos conflitos da Somália, Ruanda, Burundi, ex-Zaire e Angola.
A criação de uma política comum de defesa é outro dos desafios de uma organização que quer ver avanços no já existente mecanismo de prevenção de conflitos, com a possibilidade de constituir mais facilmente forças africanas de manutenção de paz. Foi já aprovada, no conselho de ministros que antecedeu a cimeira dos chefes de estado, a criação de um "conselho de paz e de segurança" da UA, um novo orgão do qual dependeria uma eventual força africana de manutenção da paz.
O objectivo é coordenar esforços com as Nações Unidas e utilizar modelos regionais já existentes no continente, e aprender com a experiência nem sempre gloriosa da ECOMOG, a força de interposição da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Na guerra de facções na Libéria, por exemplo, a ECOMOG foi acusada de exceder largamente o seu mandato e a Nigéria (que comandava a força) de se envolver em apoio a uma das facções. Pouco tempo depois, não foi óbvio garantir a neutralidade da força de interposição para a Guiné-Bissau, em 1998, que recusava a participação de países já envolvidos no conflito, como o Senegal e a Guiné-Conacri.
A hipótese de um Exército único, embora já colocada, permanece longínqua, e para alguns "irrealista", bem como a da criação de uma moeda única, não concretizável antes de 2021, segundo o conselho de ministros reunido em Durban. A África, porventura mais "unida", continua porém marcada por grandes problemas económicos e realidades políticas muito diferentes.