Kings Of Convenience

No festival das electrónicas do Meco os noruegueses Kings Of Convenience vão revelar a sua música acústica, minimal e límpida. Nós só temos que escutá-la. Só eles os dois, as vozes, as guitarras. Não têm nada a esconder, diz Erlend Oye.

Toda a gente sabe (e nem sequer é necessário ser-se doutorado em música) que a proposta dos noruegueses Kings Of Convenience, cabeças de cartaz do Festival do Meco [onde actuam entre as 22h30 e as 24h], não é propriamente revolucionária. Mas quando nos libertamos do espartilho das convenções, também percebemos que a música dos Kings Of Convenience deixa um enorme espaço em aberto para fazermos dela o que quisermos. Isso explica porque é que álbuns como "Quiet Is The New Loud" e "Versus", do ano passado, mesmo estando longe de serem obras-primas, são discos a que apetece voltar. É música sem receio do silêncio à sua volta e onde aquilo que ouvimos é mesmo aquilo que desejamos ouvir. Ao lado dos amigos Röyksopp, a dupla Erlend Oye, o caixa-de-óculos ruivo, e Eirik Glambek Boe, o moreno, tornaram-se figuras maiores da pop moderna norueguesa com direito a projecção mundial. São, essencialmente, um projecto acústico que cria canções melódicas de teor clássico. Há três semanas, em Barcelona, o Y foi descobrir Erlend Oye a passear pelo Festival Sónar e ficou curioso. É verdade que Erlend Oye também é DJ e está a trabalhar num projecto solitário electrónico [que vai apresentar no Meco em sessão DJ às 01h15]. Também não é menos certo que o álbum-compilação "Versus" continha colaborações, novas versões e remisturas de algumas das faixas do álbum "Quiet Is The New Loud". Mas, mesmo assim, fica a interrogação: porque é que os Kings Of Convenience são tão respeitados pelos adeptos das electrónicas ao ponto de tocarem em eventos de música dançante? Erlend também não parece saber a resposta. "De facto, é surpreendente. A maior parte das pessoas que se interessa por nós, inclusive editoras, estão conotadas com a electrónica. Talvez seja esse jogo de contrários que agrada. Por outro lado, pode ter a ver com o facto de a nossa música evocar alguns dos 'samples' que são utilizados por muitos desses projectos. Não tenho uma explicação precisa. Na verdade, gosto de electrónicas e desde 1997 que realizo sessões DJ em Bergen. No entanto, não gosto muito da filosofia dos disc-jockeys que apenas se preocupam com a qualidade da mistura, com a técnica. Gosto de gente que me surpreenda e que saiba intuir qual o momento exacto para colocar determinado disco ou som". Nas sessões DJ de apresentação do projecto a solo, Erlend canta, o que não é de todo vulgar. Ainda menos usual é a remistura que os Kings Of Convenience fizeram para o japonês Cornelius. Normalmente, quando um grupo recria um tema alheio tenta respeitar os elementos sonoros ou vocais mais importantes. Os noruegueses não só não fizeram isso, como adicionaram a sua própria voz, cantando por cima do original. No mínimo, invulgar."Eu sei, eu sei...[risos]. Mas Cornelius não se importou, até gostou da ousadia. O conceito de remistura, para mim, é muito natural: trata-se de dar a algo a alguém em quem confiamos para ele fazer o que lhe apetecer. Gostava muito, por exemplo, que um projecto electrónico convidasse os Kings para recriar versões acústicas dos seus temas. Pode parecer estranho, mas é disso que se trata. As remisturas devem funcionar como possibilidade de fazer algo de diferente. O desafio é esse. As pessoas que vêm ter connosco pressionam-nos para que façamos remisturas na mesma linha do álbum, porque é essa a sonoridade que as pessoas esperam dos Kings, mas isso não nos interessa". nostalgia. Por falar em pressão. O duo tem agora que lançar um novo disco de originais. Tem que saber gerir a expectativa de quem gostou do primeiro. Em entrevista ao Y [15 de Fevereiro 2002] a outra metade do duo, Eirick, dizia que iria ser um disco mais diverso. Mas Erlend parece não ter tantas certezas. Para já encontra-se a trabalhar no seu projecto a solo. "Ainda não existem ideias precisas sobre o que vai suceder. Há um ano que trabalho no meu projecto a solo. Estive em dez cidades ao redor do Atlântico Norte a criar dez temas com dez produtores electrónicos diferentes. Será algo de muito diferente dos Kings. Para já estou a viver em Berlim e depois de terminar este projecto vamo-nos concentrar no novo disco. Temos temas já feitos, mas as ideias que os suportam são velhas. Seria muito fácil lançar agora um novo disco, mas não o queremos fazer. Queremos desenvolver ideias novas e para isso necessitamos de tempo e disciplina. E em Bergen temos imenso tempo. Gostamos de andar pelas montanhas, visitar os nossos pais ao fim-de-semana... A nossa música é inspirada por essa nostalgia dos fins-de-semana passados com os amigos quando éramos crianças. É aquele sentimento de conhecer alguém quando se tem oito anos e, depois, ao final do dia, despedimo-nos e nunca mais nos vemos". No videoclip para "Failure" essa ideia de separação, de distância, está presente. No video, Erlend é o ausente, o que está em trânsito. Eirick é o que fica em Bergen. Mas não está só; surge acompanhado pela bonita e misteriosa rapariga que já figurava na capa de "Quiet Is The New Loud". "A situação actual é de alguma distância. Tenho regressado a Bergen com assiduidade, mas a comunicação que temos desenvolvido tem passado pelo telefone e pelo e-mail. Eu sou mais inquieto, Erik não gosta muito de sair de Bergen. Essa é a justificação para não darmos mais concertos. Mas a grande culpada é a namorada dele... [risos]. Resolvemos colocá-la na capa do disco porque cria ambiguidade. Toda a gente se interroga: 'mas, eles não são apenas dois? Quem é a rapariga?'"No final da conversa Erlend confidenciará que os Kings Of Convenience já não dão espectáculos ao vivo há muito tempo. O concerto do Meco vai ser o primeiro em meses. Antes, e durante algum tempo, Erlend participou nos espectáculos ao vivo dos compatriotas Röyksopp. De forma tão empenhada que, dizem as crónicas, lhes roubava o protagonismo em palco."Quando começei a cantar com os Röyksopp foi como se uma parte de mim se tivesse revelado. Foi uma supresa descobrir que me sentia bem como cantor. Sempre pensei em palco como algo que exige exposição. Para mim trata-se mais de partilhar. Como se estivesse entre 5000 mil amigos ao mesmo tempo. É muito especial quando se olha para alguém do palco e se percebe que se está a sentir algo de comum com essa pessoa. Estabelece-se uma comunicação invisível. Nos espectáculos dos Kings é tudo muito ao vivo, não existem truques. Vê-se tudo o que está a acontecer, não há nada para esconder. Somos só nós dois com as nossas vozes e as nossas mãos sobre as guitarras". Na música da dupla existe uma dimensão pastoral. Em Portugal, o duo vai tocar num festival que se desenrola num espaço campestre. Entre árvores, erva ocasional e areia. O espaço ideal para uma música intimista que deve tanto a Nick Drake como a Tom Jobim?"Somos, sem dúvida, mais rapazes do campo do que da cidade... [risos]. Mas não tocamos muito em festivais. É importante que o público esteja focado para perceber o que se está a passar em palco, e nos festivais isso nem sempre é possível. É incrível sermos um dos cabeças de cartaz do festival. Gosto do facto de em Portugal gostarem de nós, de conseguirmos comunicar com pessoas que não conhecemos. Quando fomos a Itália pela primeira vez não queríamos acreditar no que estava a suceder. As pessoas gostaram mesmo de nós. Espero que em Portugal aconteça o mesmo. É estranho: na Noruega ninguém quis saber de 'Versus9 - com os Röyksopp, somos a banda mais conhecida da Noruega e nem sequer fomos nomeados para os Grammy da indústria - e foi esse disco que nos abriu muitas portas".

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