40 milhões de euros de contrapartidas na Defesa por executar até Outubro

O ministro da Defesa, Paulo Portas, poderá utilizar a renegociação das contrapartidas não cumpridas até agora pela Lockheed como uma das justificações para a eventual mudança de posição do país em relação à compra de aviões de transporte militar de grande dimensão de que a Força Aérea necessita: optar pela aquisição de aviões C130J ao fornecedor norte-americano, em detrimento do previsto avião europeu, o Airbus A400M.

Ao que o PÚBLICO apurou, o interesse de Portugal pelos aviões militares da Airbus está cada vez mais em aberto, enquanto a pressão norte-americana se intensifica. Na "guerra" política e económica que se abriu a propósito da suspensão da participação portuguesa no A400M, "para avaliação", a recuperação de contrapartidas do passado é agora considerada possível. Não é, no entanto, a garantia de que, no futuro, o Estado seja mais exigente, nem torna os dois projectos equivalentes, dado que um prevê a participação industrial no desenvolvimento do projecto e o outro prefigura apenas uma compra.

Os últimos dez anos mostram que o país tem falhado no aproveitamento dos negócios com os grandes fornecedores de equipamento de Defesa, e os da Lockheed são dos melhores exemplos. No momento em que o Governo já se prepara para negociar a revisão técnica dos aviões F-16 adquiridos em 1992 à Lockheed, o respectivo contrato de compra, de cem milhões de euros expira em Outubro próximo com 40 milhões de euros de projectos de contrapartidas ainda por executar. E ninguém acredita que o serão em quatro meses.

Do segundo negócio, fechado em 1998 e também avaliado em cerca de cem milhões de euros, relativo à compra da segunda esquadra de F-16 em segunda mão e cujas contrapartidas estavam associadas à sua revisão técnica ("mid life upgrade"), nem há contrato assinado, por ausência de projectos de contrapartidas para a indústria nacional.

Apontar o dedo ao fabricante norte-americano é a reacção imediata, dizem os especialistas e empresários, para quem a falha nestes processos tem sido, porém, do Estado, por perder as oportunidades de envolver a sua indústria em projectos que a estimulem a dar saltos de desenvolvimento, a produzir com maior valor e a ter acesso a novos mercados.

É sob o peso desta herança que se jogam os futuros concursos - os que se encontram suspensos, como o A400M, o NH90 e os submarinos, e os que andam a uma velocidade discreta, como o da revisão técnica dos aviões P3 Orion, orçada em 300 milhões de euros (60 milhões de contos), e também o da revisão técnica da esquadra de F-16 comprada em 1992. A Lockheed está envolvida nestes últimos dois concursos. É uma das duas entidades do concurso limitado, lançado ainda pelo anterior Governo, para a revisão do P3 Orion (a outra é a L3 Communications, que nasceu de um "spin-off" da Lockheed). Na revisão do F-16, é directamente interessada também.

Aos solavancos no A400M

O grande argumento económico a favor do A400M é o de que esta é uma rara oportunidade para a Ogma se envolver num projecto desde a sua fase de concepção e desenvolvimento até ao fabrico, com os correspondentes ganhos na cadeia de valor, o que não acontece com o seu potencial concorrente, o C130J, da Lockheed. A Ogma tem sido até agora apenas reparadora dos aviões norte-americanos.

Na difícil situação económico-financeira em que se encontra a principal empresa da indústria de defesa nacional, o argumento ganha ainda mais peso, contando com o apoio incondicional do Sitave-Sindicato dos Trabalhadores de Aviação e Aeroportos. Mas nem assim tem sido uma razão inequívoca, já que a própria posição portuguesa neste projecto tem oscilado na última década. O país começou por se envolver na fase inicial, o então FLA (Flight Largest Aircraft), depois saiu, regressou no ano passado e firmou o acordo de princípio, entretanto suspenso pelo actual ministro da Defesa.

Não é, porém, do passado que se fala em relação ao avião militar da Airbus a sair do consórcio europeu, e o futuro comporta incertezas que o penalizam. No quadro de factores determinantes de compra, como o preço, vantagens comparativas técnicas, cláusulas de salvaguarda e contrapartidas, o primeiro tem sido dos mais valorizados. O preço-base do A400M - ainda sob estimativa, dado esperar pelo volume final de encomendas para ser acertado - é cerca de dez milhões de euros mais caro do que o do C130J (90 milhões de euros contra 80 milhões), a que há ainda a adicionar o custo das opções. Estas, ao que o PÚBLICO apurou, fazem com que os 300 milhões de euros afectos a esta compra dêem apenas para três A400M, e não quatro.

Quanto à participação da Ogma na concepção e desenvolvimento do A400M, os trabalhos garantidos pela empresa estão avaliados em cerca de 150 milhões de euros. Trata-se de um valor sobretudo traduzido pelo seu impacto no futuro da empresa: o avião europeu induz uma competência técnica importante, que é a engenharia de concepção e uma metodologia da indústria aeronáutica. Logo, acrescentam os seus defensores, dá à Ogma um aumento significativo da sua competência na actividade da manutenção e a capacidade para outras parcerias com outros fabricantes.

No entanto, as hesitações provocaram a adesão tardia ao projecto, limitando o grau de participação nacional. Por outro lado, a sua circunscrição à Ogma, ou seja, ao sector de defesa, desperdiça o efeito multiplicador que estes projectos podem ter sobre o resto da indústria, nomeadamente electrónica. Os 150 milhões de euros, a preços de 1999, referem-se aos trabalhos de engenharia de concepção e desenvolvimento da Ogma para uma parte da estrutura do aparelho, a carnagem entre a fuselagem e a asa e o chamado "elevator". A empresa conta ainda com mais duas parcelas de receitas deste projecto: as provenientes do fabrico destes componentes e a da venda dos aparelhos por via da quota de 1,53 por cento no consórcio.

De uma estrita perspectiva financeira, a Lockheed argumenta que a venda imediata de três C130J dispensaria a revisão técnica (com custos) dos actuais seis C130 que a Força Aérea dispõe, ao que a Airbus responde com um esforço financeiro diferido no tempo. A entrega dos seus três A400M a Portugal estaria prevista para 2007 (um prazo considerado demasiado optimista nesta fase do processo), altura em que o país teria pago 25 por cento do seu custo total, ficando os restantes 75 para pagar perto de 2020.

Dados entretanto obtidos pelo PÚBLICO indicam que, num cenário de investimento máximo no projecto, por parte da Ogma, o retorno é considerado atractivo. Para um investimento superior a dez milhões de euros, justificado pela compra de equipamento produtivo de fabricação, a sua taxa de rentabilidade será cerca de dez por cento. A equipa para desenvolver a contribuição portuguesa deverá contar com cerca de 20 engenheiros, parte dos quais a subcontratar no mercado internacional. O custo da mão-de-obra estimado para esta equipa alinha pelos níveis internacionais, rondando os 110 euros por hora.

Depois de o A400M ter sido apresentado como o ambicioso projecto de mobilização da Europa para uma área em que os EUA têm dominado (o transporte aéreo militar de grandes dimensões), a Itália saiu, a Grã-Bretanha optou por dividir as suas compras entre a Lockheed e a Airbus, e o principal comprador, a Alemanha, baixou a sua procura, por dificuldades orçamentais. Neste arrefecimento do espírito europeu, o compasso de espera criado por Portugal não ajuda. O A400M tem 196 aparelhos encomendados, três portugueses incluídos. A viabilidade mínima do projecto é de 186 unidades.

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