"Na Guiné-Bissau, a cultura morreu a partir de 1980"

Em 12 anos de vida, os Tabanka Djaz já somam quatro discos e muitas histórias. Formados em 1989 na Guiné-Bissau, a partir de um antigo grupo de bar, são hoje constituídos pelo cantor Micas Cabral (guitarra), Juvenal Cabral (baixo), Jânio Barbosa (teclas), Caló Barbosa (teclas) e Dinho Silva (bateria). Foi uma visita a Portugal, onde vieram tocar em hotéis algarvios, que os fez acordar para o seu futuro. E não foi no Algarve, mas em Lisboa, depois de uma actuação esporádica no Kandando: "Foi a primeira vez que tocámos em público para dançar", recorda Micas Cabral. "E quando voltámos à Guiné surgiu a ideia de formar um grupo". O nome veio depois: "Quando chegámos ao Algarve éramos o grupo Tabanka, porque tocávamos num restaurante com esse nome. Djaz, para nós, guineenses, significa negro. Então, pensámos em Tabanka Djaz, que significa aldeia africana."A segunda oportunidade ocorreu em Cabo Verde, segundo Caló Barbosa: "O primeiro disco não fazia parte dos nossos planos. O objectivo era apenas ir tocando e ganhar experiência com digressões. Até que fomos convidados para o Festival da Baía das Gatas, em São Vicente. Estava lá o Bana, que então era também editor, e convidou-nos a gravar um disco." É assim que surge, em 1990, o disco "Tabanka Djaz", que veio a ter como sucessores "Indimigo" (1993), "Sperança" (1996) e, agora, "Sintimento", acabado de lançar pela Movieplay. Em todos, Cabo Verde continuou a ter enorme importância. Caló: "Já se deu o caso, em Santo Antão, de acabar a missa de domingo e nos altifalantes da Igreja meterem uma música nossa!" Micas acrescenta: "Chegamos a tocar 12 a 15 vezes por ano em Cabo Verde. É esse o motivo do agradecimento que é o "Gardicimente" [canção do novo disco]. Porque nós devemos muito da nossa carreira aos caboverdianos." O mesmo não pode o grupo dizer da sua terra natal, a Guiné-Bissau, onde já não vivem há, pelo menos, cinco anos (moram agora em Portugal). "Há um ditado que diz que santos da casa não fazem milagres", lembra Micas. "Somos mais reconhecidos cá fora do que lá". Além disso, há o estigma da cor da pele: "A Guiné é um país maioritariamente negro. E nós vivemos com o problema de sermos mestiços e não sermos muito bem aceites como guineenses", diz Caló. Micas acrescenta: "O que nos magoa é que localmente as pessoas ignoram-nos, mas quando viajamos não. Se vamos ao Brasil, a comunidade guineense enche-se de orgulho e honra-se de dizer que somos da Guiné." Ora, foi no Brasil que o grupo concretizou o sonho de trabalhar com Martinho da Vila, que, depois de os convidar a fazer alguns dos arranjos do seu disco "Lusofonia", lhes enviou uma canção gravada, só voz ("Todos os sentidos"), para que fizessem os arranjos e a incluíssem no novo disco.Do governo e entidades oficiais da Guiné, não tiveram até hoje apoio ou reconhecimento. Mas já houve casos gratificantes como o do "senhor da rádio Pidjiguiti" que os brindou com "um cocktailzinho", ou o de uma associação estudantil que lhes deu um diploma: "Fiquei muito emocionado", diz Micas. "Ainda pensei aquelas coisas de África: 'Sabem que sou músico, pensam que por viajar sou rico e vêm fazer algum peditório'. Mas quando se sentaram na minha sala, disseram só: 'Viemos aqui trazer-lhe um diploma de mérito'. Chorei que nem uma criança."Para o grupo, Guiné-Bissau mudou muito. "Houve uma fase em que havia muitos festivais, com muitas bandas", diz Caló. Mas, acrescenta Micas, "isso desapareceu depois do golpe de Estado, quando foi derrubado o regime de Luis Cabral. A cultura na Guiné-Bissau morreu a partir de 1980." E não só a música: "Tínhamos teatro, dança, escola de música, uma casa da cultura. Tudo desapareceu. Um país culturalmente rico como a Guiné, é muito triste vê-lo a perder-se, praticamente, no nada."Apesar de tudo, é ainda a pátria que cantam: "Porque temos lá muitas histórias lindas", explica Micas. Esta coisa do 'Djumbai di povo' [outra canção do disco], que é o carnaval: antes era uma festa alegre, onde as pessoas se divertiam com disciplina, com civismo. Hoje, os valores culturais desapareceram, perderam-se as referências e as pessoas começam a comportar-se como selvagens. A festa perdeu o significado". Caló acrescenta: "No carnaval os nossos mais velhos têm medo de sair à rua. Antes, toda a gente se divertia sem problema nenhum."Com as eleições ainda tiveram esperanças, mas desvaneceram-se. Micas confirma: "O Kumba Ialá foi o único político que enfrentou directamente o Nino Vieira e lhe dizia as verdades. Hoje é um ditador. No tema 'Nó fiança' chamamos a atenção para a situação actual da Guiné, porque acreditamos que as coisas possam melhorar um dia. Vamos fazendo a luta à nossa maneira, com a vantagem de entrar na casa das pessoas sem bater à porta. Com melodias e ritmos."

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