Gil Vicente: o princípio do teatro português 500 anos depois

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No dia 7 de Junho comemora-se a primeira representação de um auto de Gil Vicente, "Visitação", e celebra-se simultaneamente o início do teatro português. O Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras de Lisboa organizou um congresso de cinco dias, onde estarão reunidos nomes incontornáveis para os estudos vicentinos. Uma obra que, se não fosse de um português, seria mais editada, mais estudada e mais encenada.

Volvidos 500 anos sobre a primeira representação de um auto de Gil Vicente - o da Visitação, a propósito do nascimento de D. João III, a 7 de Junho - arranca hoje, no auditório da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), o primeiro grande congresso organizado em Portugal dedicado aquele que é considerado o fundador do teatro português, com um programa que se estende por cinco dias, e inclui comunicações de 70 oradores, de onze nacionalidades.

Organizado pelo Centro Estudos de Teatro da FLUL, contará com a presença de nomes incontornáveis para o estudo da obra vicentina, como a maioria dos membros da comissão científica - Maria Idalina Resina Rodrigues, a quem cabe a abertura, a brasileira Cleonice Berardinelli, a italiana Luciana Stegagno Picchio e o inglês Stephen Reckert - e os conferencistas da Universidade de Coimbra José Augusto Cardoso Bernardes, autor da última grande tese sobre Gil Vicente, ou José Oliveira Barata, também vicentista, que está estudar a aproximação ao espectáculo vicentino.

"Foi o modo que conseguimos de congregar todos os estudiosos que se dedicam a esta matéria. E queríamos estimular os debates que deverão trazer novas propostas, novos caminhos para estudar a obra de Gil Vicente", sobre a qual ainda há tantas investigações e descobertas por fazer, afirma José Camões da comissão organizadora (composta ainda por Maria João Brilhante, Graça Abreu e Cristina Almeida Ribeiro).

O congresso - que será aberto ao público e no qual se inscreveram mais de uma centena de participantes que poderão intervir no final - tem como objectivo principal fazer o ponto da situação dos estudos sobre a obra vicentina bem como estimular o debate sobre a obra de um autor que, apesar de ser bastante citado, é pouco estudado em Portugal. "Tenho a certeza de que se Gil Vicente não fosse português, era muitíssimo mais estudado, representado e editado." José Camões não tem dúvidas sobre a singularidade da sua obra: "Entre 1502 e 1536 não há ninguém na Europa que tenha uma produção da dimensão da sua", afirma este investigador, que no congresso abordará os autos de nascimento (dia 5, às 17h).

Do estudo da obra à sua representação

Quatro são as grandes áreas abordadas no congresso: a edição e tradução, a hermenêutica (que constitui o grosso das intervenções), a encenação e o estudo de Gil Vicente na escola. Sobre esta última área, não privilegiada pelos oradores mas bastante representada pelos inscritos, José Camões sublinha: "A relação da obra vicentina com a escola é fundamental. É necessário rever a forma como é ensinado, porque a sua obra é usada, normalmente, para estudar a história da língua ou para descrever como era a época. Penso que deveria continuar nos programas das disciplinas de português, mas seria necessário estudá-la à luz da interdisciplinariedade."

Haverá uma mesa redonda dedicada a Gil Vicente no teatro, moderada por Maria João Brilhante, e onde vão participar Nuno Carinhas, Fernando Mora Ramos, Luís Miguel Cintra, Glicínia Quartin ou Jorge Castro Guedes e está prevista a apresentação de "Comédia de Rubena", uma encenação de Maria do Céu Guerra (amanhã, às 21h30, no Cinearte). "O teatro é uma actividade que queremos privilegiar, olhar para a obra e recuperá-la da sua essência já que durante muito tempo foi assimilada pela história da literatura", acrescenta.

Através de diversas perspectivas, que por vezes se cruzam, a obra vicentina será analisada à luz da criação, do comparativismo, da edição e da tradução, da história das ideias e das mentalidades ou da sua repercussão nas artes ou na literatura.

As conferências tocam em temas como "Edição e tradução para italiano de textos vicentinos (Giuseppe Tavani, hoje às 16h), "Continuidade e Ruptura no Teatro de Gil Vicente: Maria Parda Revisitada", por Luciana Stegagno-Picchio, autora de uma História do Teatro Português, ou "Gil Terrón entre a oralidade e a literatura", por um dos maiores vicentistas Stephen Reckert (amanhã, a partir das 11h30); "Matrizes e Identidade da Obra Vicentina", por Augusto Cardoso Bernardes (às 17h, de amanhã) ou a "Os que temos algum jeito: aproximação ao espectáculo vicentino (dia 5, às 11h30), por José Oliveira Barata. No âmbito das comunicações, há um painel dedicado ao estudo dos aspectos femininos - foi uma surpresa para José Camões ter recebido tantas propostas sob este tema - em que Olinda Kleiman abordará, às 14h30, "Figuras femininas e seus amores"; e no dia 6, à tarde, Manuel Morais ilustra musicalmente a obra vicentina. Na sexta-feira, último dia - sábado é reservado a uma visita às Caldas da Rainha, Tomar e Santarém - Cleonice Beradinelli abordará, em conferência, o tema "Microleituras Vicentinas".

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