O sexo por teclas

Fazer sexo "on line" é muito fácil, desde que se tenha vontade, um computador e uma ligação à Internet. Faz-se o "download" de um programa de IRC (o Mirc, por exemplo), dá-se uma identificação que pode ser falsa, inventa-se um "nick" (um pseudónimo) que garanta o completo anonimato, pede-se a lista dos canais disponíveis, procura-se os vários que têm o sexo como tema e já está. Com um "click", escolhe-se uma ou mais pessoas, ao acaso, com as quais se mantém uma conversa, através do teclado, em tempo real. Se esta conversa, escrita, tiver um conteúdo erótico-sexual e se tiver como objectivo a excitação sexual mútua, está-se perante um acto de sexo "on line". Foi nestes canais que dois sexologistas - o psiquiatra Francisco Allen Gomes e a psicóloga Ana Alexandra Carvalheira - mergulharam, durante meses. Para tentar descobrir quem são e o que procuram os consumidores deste novo tipo de actividade sexual. Os resultados do estudo estão publicados no número de Janeiro/Março da revista científica de "Psiquiatria Clínica" dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Quanto ao mundo de que os dois sexologistas falam... está ao alcance de um "click". "Jornalista? Oh, não... Outra curiosa. Não vês que é impossível chegar a qualquer conclusão a fazer perguntas aqui? Nestes canais, as pessoas são tão diferentes entre si como na vida real. E o vosso objectivo é sempre o mesmo: catalogarem-nos, descreverem-nos como uma cambada de anormais", zanga-se um dos viajantes pelos canais de sexo. A verdade é que os próprios investigadores tiveram dificuldades em catalogá-los, dada a diversidade de motivações e de comportamentos dos consumidores de sexo "on line". "Nome? Idade? De onde teclas?" Esta é, quase sempre, a primeira abordagem, a que, normalmente, se segue a pergunta: "Como queres?". O sexo, leia-se. O imediatismo é precisamente uma das vantagens desta forma de contacto, sublinhada pelos inquiridos no estudo científico: "'On line' é mais rápido encontrar pessoas com as mesmas ideias e preferências sexuais", dizem 24 por cento. E 39 por cento concordam "parcialmente" com aquela ideia. "Uma das possíveis explicações para este tipo de fenómeno é a falta de tempo, as pessoas passam o dia a trabalhar e encontrar parceiros, no mundo real, obriga a um processo de sedução que obrigatoriamente demora algum tempo", faz notar Ana Alexandra Carvalheira. Muitas das pessoas que o PÚBLICO encontrou disponíveis para o sexo "on line" estavam, de facto, nos locais de trabalho. "E porque não? Não tira muito tempo", ironizavam. O rol de vantagens, dizem, cobre o das desvantagens. A própria sexologista sublinha que a ideia de que, neste tipo de relação, o corpo não existe é falsa. "Não há, de facto, contacto pele a pele, mas as sensações estão lá e estão nos corpos", sublinha Ana Alexandra Carvalheira. Por outro lado, nem tudo tem de ficar a cargo da imaginação. Como referiram a psicóloga e vários dos consumidores, um pequeno microfone acoplado ao computador empresta som às vozes, e as pequenas câmaras de vídeo, as chamadas "webcam", permitem que os parceiros se visualizem, ou a partes dos respectivos corpos, durante o sexo "on line". Neste ponto dos acontecimentos, surge outro factor muito importante, na área dos atractivos. Cinquenta e cinco e meio por cento declaram que "a fantasia é que comanda a relação 'on line' e 33 por cento dizem concordar parcialmente com esta mesma ideia. "É muito excitante partilhar fantasias 'on line'", dizem ainda 35 por cento, apoiados por outros tantos que concordam parcialmente. "Por exemplo: aqui, mulheres e homens casados é às resmas, às paletes, como diria o Herman. Fazem o que não podem ou não querem fazer em casa", observou, em conversa com o PÚBLICO, uma das consumidoras de sexo "on line".Neste processo - e apesar de, em muitos casos, os consumidores de sexo "on line" se virem a conhecer pessoalmente (ver caixa) -, o anonimato não só é uma vantagem como é encarada pelos consumidores como fundamental, registam os investigadores. Porquê? "Parece ter um papel protector, no sentido de permitir ultrapassar as barreiras muitas vezes encontradas na relação face a face por parte de indivíduos com poucas aptidões sociais", observam. As respostas ao inquérito indiciam isso mesmo: "'On line' posso dizer honestamente o que sinto e o que penso à outra pessoa" (38,8 por cento concordam totalmente e 32,3 por cento concordam parcialmente); "Posso ser mais aberto e directo do que numa relação face a face" (19,5 por cento concordam totalmente); "Numa relação real, fico nervoso nos primeiros encontros" (19,5 por cento concordam totalmente e 33,8 parcialmente); "'On line' não sofro tanto se for rejeitado" (39, 8 por cento concordam totalmente). Estas respostas, considera Ana Alexandra Carvalheira, não são contraditórias com o factor "falta de tempo", com a consequente sensação de solidão ou com o facto de a grande parte dos consumidores de sexo "on line" serem jovens ou muito jovens estudantes. "O facto de os estudantes estarem em grupos, de pertencerem a uma turma, por exemplo, não significa que estejam bem integrados e que, nesse espaço, sejam capazes de ultrapassar a sua inaptidão social", sublinha. A experiência de alguns, contudo, mostra que não há remédio seguro contra o sentimento de rejeição. Um jovem contou ao PÚBLICO que, depois de uma mais ou menos longa relação "on line", marcou um encontro com uma rapariga. "Fomos tomar um cafezinho, mas foi tudo. Fiquei tão embaraçado! Ela nunca mais me procurou e eu também não a procurei a ela. Não deve ter gostado de mim". "Achas que foi isso? Não gostou de mim? ", pergunta ainda hoje, com insistência.

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