Thyssen, o último grande mecenas da arte

Há figuras que, não tendo produzido qualquer criação artística, assumem um papel fundamental na História da arte, nomeadamente, para a sua compreensão e divulgação. Como o barão Hans Heinrich von Thyssen, de 81 anos, falecido ontem de madrugada na sua casa de Sant Feliú de Guíxols, no nordeste de Espanha, que, na senda de uma tradição familiar, reuniu uma das maiores e mais importantes colecções de obras de arte do mundo. O núcleo principal, constituído pelas 775 obras mais emblemáticas da colecção, foi cedido em 1993 ao Estado espanhol, depois de seis anos de negociação e por 338 milhões de dólares (cerca de 380 milhões de euros). Desde então, estão expostas no Museu Thyssen-Bornemisza em Madrid (ver caixa).Descendente de uma das famílias mais ricas da Alemanha, Hans Heinrich von Thyssen nasceu em Scheveningen, Holanda, a 13 de Abril de 1921, filho de uma baronesa húngara, Margarita Bornemisza, e do industrial Heinrich Thyssen. Este último aproveitou o "crash" financeiro de 1929 para adquirir um número considerável de pinturas e esculturas a capitalistas arruinados (entre eles, o banqueiro J. P. Morgan), enriquecendo uma colecção de arte iniciada pelo seu pai, August, grande admirador de Rodin. Mas a própria família Thyssen verá o seu império e património artístico cair durante a II Guerra Mundial. Caberá a Hans Heinrich reconstitui-lo após a morte do pai, em 1947, altura em que herda o título de barão Thyssen-Bornemisza - tinha 26 anos. Numa década, o jovem aristocrata recupera o império na Holanda e Alemanha, construindo estaleiros navais e centrais eléctricas, antes de investir em sectores de rápido crescimento nos Estados Unidos, desde tecnologia informática a máquinas agrícolas. Nasce o Grupo Thyssen-Bornemisza (TBG), constituído por 234 empresas repartidas por 26 países. Na década de 70, torna-se conselheiro de uma trintena de sociedades e administrador, entre outras, da cervejeira Heineken, da casa de leilões Sotheby's e do Museu Metropolitan de Nova Iorque, atraídas porventura pelo seu toque de Midas. Detentor de uma das maiores fortunas do planeta, foi um dos primeiros empresários a dispor de um avião privado e de um barco de 60 metros. Uma colecção de 1500 obrasAo mesmo tempo, empenhou-se em reunir as 525 obras da colecção de arte do pai, dispersas entre vários herdeiros ou na posse de terceiros. Não ficou por aí, no entanto. Embora o pai repudiasse a arte do século XX, Hans Heinrich adquiriu quantidades massivas de obras contemporâneas, do expressionismo ao fauvismo, do cubismo à pop art, passando pela pintura abstracta. São cerca de mil as obras de arte que se vêm juntar a uma colecção que abrange várias expressões e períodos desde a Idade Média. "Era um homem com uma total dedicação à pintura", segundo o director do Museu Thyssen-Bornemisza, Tomás Llorens.Em 1981, o barão Thyssen conhece a actriz espanhola Carmen Cevera, com a qual casa em 1985, somando já quatro divórcios. Pode-se dizer que é por amor que uma das mais valiosas colecções de arte está hoje sediada em Espanha, depois de ter sido disputada por vários países, dos EUA à Alemanha, Japão, Itália ou Suíça: a baronesa Cevera foi uma figura determinante nas negociações que resultaram na transferência, em 1993, da histórica colecção Thyssen de Villa Favorita, em Lugano (Suíça) para o palácio madrileno de Villahermosa, a 200 metros do Museu do Prado.Uma vez cumprido o desejo de exibir publicamente e impedir a dispersão da sua colecção, o barão teve de enfrentar a oposição do seu filho mais velho (o primeiro de cinco), Georg Heinrich, nomeado director-geral do grupo empresarial da família em 1983, pelo controlo de um império avaliado em 3100 milhões de euros. Só recentemente haviam chegado a acordo, pondo fim a uma querela sobre a distribuição da herança que se arrastava desde os anos 90. Padecendo de problemas cardíacos, Thyssen recorreu a várias intervenções cirúrgicas. Faleceu ontem, vítima de uma paragem cardíaca provocada por uma insuficiência cardiorespiratória. O corpo seguirá para o panteão familiar no castelo Landsberg, na Alemanha. Um castelo para o último grande patrono da arte, já que os reis se deixaram disso.

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