Cessar-fogo em Angola é hoje assinado

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O acordo entre Governo e UNITA surge seis semanas após a morte de Jonas Savimbi Miguel Silva

Vinte e seis anos de guerra civil em Angola devem terminar hoje oficialmente quando representantes do Governo de José Eduardo dos Santos e da UNITA assinarem um acordo de cessar-fogo, em Luanda.

Este cessar-fogo vai ser assinado seis semanas depois de a morte do fundador e líder do Galo Negro, Jonas Savimbi, ter impulsionado o Executivo e a guerrilha a depor as armas e a iniciar negociações.

Os angolanos, que já viram tantas tentativas de paz fracassar no passado, mostraram-se inicialmente cépticos em relação aos recentes esforços de paz. No entanto, nos últimos dias, atreveram-se a ser optimistas. Uma mulher residente em Luanda disse: "Acho que o acordo é uma coisa muito importante, porque nós vivíamos sem sossego, sem paz todo tempo. Deus, que é poderoso e maravilhoso, ajudou-nos e agora estamos a ver que estamos numa fase mesmo de uma paz, e oxalá esta paz seja uma paz verdadeira e definitiva."

O padre católico João Domingos manifestou ao PÚBLICO a convicção de que o cessar-fogo é um passo com vista a uma paz duradoura. "Porque sobretudo o povo e, mesmo, os militares estão cansados da guerra. Ninguém no país queria a guerra. E desde a morte de Jonas Savimbi aconteceu que todos se abriram à paz. O Governo tomou atitudes que me pareceram boas; iniciou imediatamente o diálogo com os guerrilheiros e não aproveitou a oportunidade para suprimir ou matar."

O activista de direitos humanos Fernando Macedo também saudou o anúncio de tréguas, mas avisou que muita coisa ainda tem de ser feita para até haver justiça em Angola. "Penso que [o cessar-fogo] representa um passo muito positivo mas é muito importante que todos nós não esqueçamos que o calar das armas é apenas um passo prévio para a transição em democracia, e também para o desenvolvimento de Angola," disse ao PÚBLICO. "Há gravíssimos problemas e é extremamente importante que o MPLA e a UNITA se democratizem, é extremamente importante que despartidarizem todas os órgãos e instituições do Estado, sobretudo a polícia nacional e o exército nacional."

No sábado, altos-responsáveis das Forças Armadas Angolanas (FAA) e do exército da UNITA (as FALA) assinaram um "memorando de entendimento", que inclui um plano para desmobilizar 50.000 soldados do movimento do Galo Negro estacionados em vários pontos do território angolano. O memorando foi redigido durante duas semanas de conversações secretas entre oficiais de ambas as partes, na cidade de Luena, no Leste de Angola. As conversações começaram quando o Governo anunciou, em 13 de Março, que iria terminar a sua ofensiva contra a UNITA e encetar o diálogo com os rebeldes.

Na terça-feira, a Assembleia Nacional de Angola aprovou uma lei que concede amnistia a todos os que cometeram crimes contra a segurança do Estado durante a guerra civil. No mesmo dia, o secretário-geral da UNITA, Paulo Lukamba "Gato", e o chefe do Estado-Maior dos rebeldes, general Abreu Kamorteiro, chegaram a Luanda. Estes homens, que ainda recentemente enfrentavam o risco de morrer de fome nas matas, residem agora no hotel mais luxuoso da capital angolana.

Cronologia do processo de paz, com algumas das datas mais importantes da história do país, incluindo a luta pela independência:

1961
- Início da luta pela independência contra o regime colonial português.

01/75

- Negociações do Alvor, em Portugal, que estabelecem as condições para a independência de Angola.

11/11/75

- Independência de Angola após uma guerra de 14 anos. Um mês antes, MPLA, UNITA e FNLA envolveram-se numa guerra civil. A África do Sul, ainda dominada pelo regime de “Apartheid”, enviou tropas em apoio à UNITA, enquanto o MPLA contou com a ajuda de um contingente militar cubano.

20/09/78

- José Eduardo dos Santos tornou-se Presidente da República após a morte de Agostinho Neto.

16/02/84

- Acordo entre Luanda e Pretória sobre a retirada das forças sul-africanas, só concluído em 1988.

20/12/88

- Criação da Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola (UNAVEM).

22/12/88

- Acordo de Nova Iorque para a retirada de 50.000 soldados cubanos (só concretizado em 1991) que apoiavam o regime de Luanda.

26/03/91

- Instauração do multipartidarismo.

31/05/91

- Assinatura do Acordo de Bicesse pelo Governo e pela UNITA, que previa o cessar-fogo, constituição do exército único e realização de eleições gerais (não cumprido).

26/09/91

- Primeira visita do líder da UNITA, Jonas Savimbi, ao Futungo de Belas, sede da presidência angolana em Luanda, pós-Bicesse. Encontro de carácter político, em que o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, se manifestou "firme" quanto ao cumprimento dos compromissos assumidos em Bicesse.

29 e 30/09/92

- Eleições presidenciais e legislativas. O MPLA foi o partido mais votado, ganhando a maioria absoluta, e a UNITA ficou em segundo lugar. José Eduardo dos Santos foi o mais votado na primeira volta das presidenciais.A segunda volta das presidenciais entre os líderes do MPLA e da UNITA nunca chegou a ser marcada, porque o maior partido da oposição não aceitou os resultados das eleições, consideradas livres e justas pela ONU e pelos observadores internacionais.


02/10/92

- Savimbi declarou as eleições fraudulentas e ameaçou regressar à guerra se a Comissão Nacional de Eleições (CNE) tornasse públicos os resultados, o que veio a acontecer.

31/10/92

– Início de confrontos violentos em Luanda, que duraram três dias e em que morreram dirigentes da UNITA. Entre os dirigentes da UNITA mortos, figuram o seu vice-presidente, Jeremias Chitunda, e o chefe da representação do movimento do Galo Negro na CCPM e sobrinho de Savimbi, Elias Salupeto Pena. Foi dado por desaparecido o então secretário-geral, Alicerces Mango Valentim. A escalada de guerra torna-se incontrolável a partir desta data, refugiando-se a UNITA no Huambo, onde tinha concentrado o seu quartel-general.

12/04/93

- Governo angolano e UNITA encontraram-se em Abidjan, na Costa do Marfim, para nova tentativa de negociação de um acordo de paz para Angola, sob mediação do Presidente Félix Houphouet-Boigny, mais uma vez sem sucesso.

06/93

- O maliano Alioune Blondin Beye substituiu a britânica Margaret Anstee como representante especial do secretário-geral da ONU em Angola, empenhando-se num prolongado processo de negociação da paz, que culminou em 1994 com a assinatura do Protocolo de Lusaca.

15/09/93

- O Conselho de Segurança aprovou sanções contra a UNITA, incluindo um embargo de armas e petróleo e seus derivados.

15/11/93

- Início das conversações de paz no âmbito do processo de Lusaca. As delegações das partes beligerantes negociavam directamente em nome do governo angolano e da UNITA.

20/11/94

- Assinatura do Protocolo de Lusaca, após mais de 11 meses de negociações entre o governo do MPLA e a UNITA, na presença de José Eduardo dos Santos e na ausência de Savimbi.

06/05/95

- José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi reuniram-se em Lusaca, dois anos e oito meses após o último encontro. Os dois afirmaram que tinham ultrapassado "todas as divergências" existentes.

11/04/97

- O Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN) foi empossado. Com 28 ministros, 58 vice-ministros e um secretário de Estado, o executivo era dirigido por Fernando França Van-Dúnem e abrangia todas as formações políticas nacionais com assento no parlamento. A UNITA participou neste Governo com quatro ministros e sete vice-ministros.

28/08/97

- O Conselho de Segurança da ONU decretou um segundo pacote de sanções contra os responsáveis da UNITA e membros da sua família directa, que os impedia de viajar e previa o "encerramento imediato e total" das suas delegações fora do território angolano, que entrou em vigor dois dias mais tarde.

31/03/98

- O chamado "Estatuto especial" de Jonas Savimbi foi publicado no boletim oficial. Esta lei assegurava ao presidente da UNITA um quadro de intervenção política na vida nacional, de garantias jurídicas, protocolares, de segurança e de direitos e deveres.

12/06/98

- O Conselho de Segurança aprovou, por unanimidade, o terceiro pacote de sanções contra a UNITA, decidindo congelar os "fundos e recursos financeiros" da organização no exterior e proibir a importação directa ou indirecta de diamantes de Angola que não fossem certificados pelo governo.

26/06/98

- O mediador da ONU para Angola, Alioune Beye, morreu na queda de um avião na Costa do Marfim. Beye fazia uma digressão que o levaria a cinco países africanos, numa tentativa de encontrar uma solução para um novo impasse no processo de paz angolano.

24/08/98

- A UNITA cessou a sua colaboração com a troika de observadores - Portugal, Estados Unidos e Rússia - encarregada desde 1991 de acompanhar o processo de paz.

02/09/98

- Antigos elementos da UNITA afastaram-se do movimento e criaram o seu Comité de Renovação. O Governo angolano cessou o diálogo com a UNITA liderada por Savimbi, reconhecendo os dissidentes como seus únicos interlocutores.

11/98

- O exército governamental lançou uma ofensiva geral contra a UNITA.

26/02/99

- A ONU decidiu pôr fim à MONUA devido ao recomeço da guerra. Uma nova missão da ONU, simbólica, seria criada em Outubro.

24/07/99

- As autoridades angolanas emitiram um mandado de captura contra Savimbi.

30/11/00

- O Parlamento angolano aprovou uma lei de amnistia aplicável aos elementos da UNITA e ao seu líder. O movimento do Galo Negro rejeitou a lei e manteve a exigência de negociações directas.

03/06/01

- Savimbi reconheceu a derrota na guerra convencional conduzida pelo seu movimento contra o regime de Luanda.

10/08/01

- Um ataque contra um comboio de passageiros na província de Cuanza Sul (norte), reivindicado pela UNITA, provocou 259 mortos e 412 desaparecidos.

18/02/02

- O exército angolano anunciou a tomada de bases da UNITA, capturando sete oficiais e abatendo oito guerrilheiros do movimento rebelde angolano na província do Moxico, onde Savimbi estaria refugiado.

22/02/02

- O governo anunciou que as forças governamentais tinham abatido Savimbi na província do Moxico.

15/03/02

- Data do início oficial das negociações entre as chefias militares das FAA e das forças da UNITA.

30/03/02

- O chefe do Estado Maior Adjunto das FAA, general Geraldo Nunda, e o chefe do Alto Estado Maior Geral das Forças Militares da UNITA, general Abreu Muengo "Kamorteiro", rubricam no Luena, Moxico, os termos de um acordo de cessar-fogo em Angola a ratificar hoje formalmente em Luanda.

03/04/02

- O parlamento angolano aprova a lei da amnistia, em que são amnistiados "todos os crimes contra a segurança do Estado que foram cometidos no contexto do conflito armado angolano". A organização de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional condenou a aprovação desta lei, defendendo que os dois lados cometeram crimes horríveis e que os seus autores devem ser julgados.

Lusa

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