Britânicos perderam a “avozinha”. Rainha-mãe morreu aos 101 anos

Morreu a “avozinha” dos britânicos aos 101 anos. Isabel Angela Margarida Bowes-Lyon, a rainha-mãe, atravessou três séculos e dois milénios, assistindo (e resistindo) à mudança do mundo.

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Isabel morreu ao início da tarde durante o sono Toby Melville/EPA

Morreu a “avozinha” dos britânicos aos 101 anos. Isabel Ângela Margarida Bowes-Lyon, a rainha-mãe, atravessou três séculos e dois milénios. Nasceu ainda no século IXX, a 4 de Agosto de 1900, altura em que as forças britânicas se encontravam a travar a derradeira batalha imperial na África do Sul. Ainda não havia aviões no ar, as lâmapadas de gás ainda não tinham sido substituídas pela electricidade e os Beatles de Liverpool ainda estavam por nascer. Isabel assistiu e resistiu à mudança do mundo.

Isabel Ângela Margarida Bowes-Lyon foi a nona de um rancho de dez filhos de uma família de origem nobre — o pai, lorde Glamis, era o senhor de um castelo na Escócia que pertencia à família desde o século XIV e que, de acordo com a lenda, albergou a dinastia Macbeth — apesar das suas origens terem sempre estado envoltas nalgum mistério devido ao seu tardio registo. Há quem diga que o parto de Isabel terá ocorrido, de urgência, numa carroça-ambulância e que a mãe não era lady Glamis, mas sim uma empregada irlandesa ao serviço da família.

Certo é que nasceu ainda no século IXX, a 4 de Agosto de 1900, altura em que as forças britânicas se encontravam a travar a derradeira batalha imperial na África do Sul. Ainda não havia aviões no ar, as lâmpadas de gás ainda não tinham sido substituídas pela electricidade e os Beatles de Liverpool ainda estavam por nascer.

Quatro anos após o seu nascimento, o pai herda o título de conde de Strathmore e Kinghorne. Isabel cresceu no Castelo de Glamis, na Escócia, e foi educada em casa, ao lado de alguns dos seus nove irmãos. Quando fez 12 anos ingressou na Academia Birtwistle, mas pouco tempo depois, com o início da I Guerra, a mãe retirou-a da escola e Isabel regressou a Glamis, que entretanto havia sido transformado num hospital militar. A própria família acabaria por sofrer perdas com a guerra: o irmão mais velho de Isabel, Fergus, foi morto na batalha de Loos e um outro irmão, Michael, foi feito prisioneiro durante dois anos.

Isabel e Bertie

Apesar de ter conhecido o príncipe Alberto (Bertie) aos 5 anos de idade, numa festa infantil (ele tinha 10 e, conta-se, comeu a cereja cristalizada do bolo dela), Isabel só voltou a cruzar-se com o filho do rei Jorge V após o fim da guerra. Ela era, então, uma debutante que se iniciava no círculo da alta sociedade londrina.

Rapidamente Isabel conquistou alguns pretendentes de peso, entre os quais o príncipe Paul da Sérvia e James Stuart, um conhecido galanteador à procura de um bom (rico) casamento. Foi através deste último que Isabel reencontrou Alberto, duque de Iorque e segundo herdeiro da coroa britânica.

Em 1920, James Stuart era funcionário da Casa real inglesa quando o jovem príncipe começou a expressar o seu interesse em Isabel. Consta que a jovem estava verdadeiramente apaixonada por James Stuart, mas devido à sua delicada situação financeira, a família decidiu que um potencial casamento com Alberto não podia ser ameaçado pela sua associação a Stuart. Assim sendo, lady Strathmore e lady Moray (a mãe de Stuart) aliaram-se para afastar os dois jovens e conseguiram enviar o rapaz para Oklahoma, EUA.

Alberto pediu Isabel em casamento duas vezes, e por duas vezes recebeu um categórico “não”. Um facto que chocou a mãe de Isabel, mas que não surpreende os biógrafos: Alberto, ou Bertie, era um homem tímido, fraco e pouco inteligente, aterrorizado pelos pais, que atravessava frequentemente longos períodos de raiva ou de depressão, vivendo na sombra do irmão mais velho, David, o charmoso príncipe herdeiro e futuro rei Eduardo VIII. Mas finalmente, à terceira, ela cedeu. Casaram-se no dia 26 de Abril de 1923, na Abadia de Westminster.

Durante 14 anos, o casal viveu uma vida pacata com os títulos de duque e duquesa de York. Raramente eram convidados para comparecer em público e durante esse tempo Isabel ajudou Bertie, com o apoio de um terapeuta da fala, a superar a sua gaguez. Em 1926, nasceu a primeira filha do casal, a princesa Isabel, e quatro anos mais tarde, nasceu a princesa Margarida.

Rainha à força

A vida do casal mudou radicalmente quando, no final de 1936, o rei Eduardo VIII abdicou do trono para poder ficar com Wallis Simpson, uma norte-americana divorciada. Bertie, apesar do seu pouco à-vontade, sucedeu ao irmão e foi coroado Jorge VI na Abadia de Westminster a 12 de Maio de 1937. A família mudou-se então para o Palácio de Buckingham.

Isabel, feita rainha à força, nunca perdoou o cunhado ou Wallis Simpson pelo facto de a terem deixado a ela e ao seu incapaz marido naquela situação. Jorge VI desempenhava com alguma facilidade as suas funções quando tinha a rainha ao seu lado, mas quando Isabel se ausentava ele transformava-se numa tímida e estranha personagem.

A pressão do cargo aumentou com o rebentar da II Grande Guerra. Apesar de os conselheiros reais insistirem com Isabel para que ela abandonasse Londres com as filhas e procurasse refúgio no Canadá, a rainha manteve-se irredutível e permaneceu no Palácio de Buckingham, onde começou a aprender a mexer em revólveres.

Tornou-se um hábito o rei e a rainha visitarem os locais atingidos pelos raides aéreos para oferecerem consolo aos seus súbditos, passeios que viriam a ser designados de walkabouts. Quando o Palácio foi atingido pelos ataques dos aviões germânicos a rainha disse simplesmente: “Estou contente por termos sido bombardeados”.

De Buckingham para a “casinha horrível”

Quando a normalidade parecia ter ganho espaço, o rei sucumbiu a um enfarte em 1952. Tempos difíceis para Isabel que perdia ao mesmo tempo o marido e o trono: a filha, Isabel II, tomou posse do trono que lhe pertencia por direito. A rainha-mãe foi forçada a trocar, com alguma relutância, os salões de Buckingham por “essa casinha horrível” — a expressão era dela — de Clarence House. Cinco dias após a coroação da nova monarca, a viúva real adoptava o título de Sua Majestade Rainha Isabel a Rainha Mãe. Isabel afastou-se assim da vida pública durante um ano de luto e quando regressou manteve-se sempre distante dos assuntos de Estado.

Sem papel oficial na corte, a rainha-mãe acabou por ter de inventar alguns dos seus afazeres. Nos últimos anos, era madrinha ou presidente honorária de mais de 350 organizações. E onde quer que fosse (fez mais de 40 visitas oficiais ao estrangeiro), o seu charme continuava infalível, a desarmar mesmo os potenciais inimigos.

Um dos papéis que assumiu foi de preparar as noivas dos seus netos mais velhos: tanto Diana, a quem mais tarde Isabel se referiria como “aquela criatura tonta”, e Sarah Ferguson saíram da residência da rainha-mãe no dia dos casamentos.

Muito ligada ao seu neto mais velho, o príncipe Carlos, a rainha-mãe foi durante toda a vida a sua grande confidente e consta que Isabel arranjou uma linha telefónica clandestina para que Carlos pudesse falar com a sua então amante, Camilla Parker Bowles. E a sua imagem de uma adorável avozinha ficou terrivelmente manchada durante o funeral de Diana, em 1997, quando Isabel manteve sempre o mesmo semblante sem derramar uma lágrima.

Para Christopher Hitchens, que retoma em grande parte o livro Os Windsor, de Kitty Kelley — ainda hoje banido do Reino Unido — a rainha-mãe foi um génio na arte da autopromoção, uma mulher que soube puxar um marido débil e balbuciante e fazê-lo parecer rei. “Debaixo das plumas, está uma mulher intrépida e inflexível”, escreve Hitchens, que cita a propósito o lorde Halifax, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros: “Uma verdadeira mão de aço escondida dentro de uma luva de veludo”.

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