A nova Nova Iorque de Bloomberg

Depois da saída de Rudy Giuliani, a caminho da beatificação, a maior cidade americana ficou entregue a um novo "mayor". Michael Bloomberg tem uma tarefa pesada à sua frente: uma Nova Iorque traumatizada pelo 11 de Setembro e com o pior buraco orçamental nos EUA. Mas Bloomberg, um homem de negócios sem experiência na política, não tem medo. Para já tornou os cigarros comprados na sua cidade os mais caros do país: oito euros.

Michael Bloomberg entra na sala descontraído, com o adereço indispensável dos nova-iorquinos - um enorme copo de café - na mão. Na plateia de jornalistas estrangeiros, as reacções dividem-se: os asiáticos aplaudem o novo "mayor" de Nova Iorque, a maior cidade dos Estados Unidos, a sua capital financeira, a sua metrópole-mártir do 11 de Setembro. Os europeus, com um ar algo embaraçado, mantêm-se silenciosos.O homem assim acolhido no centro de imprensa estrangeira de Nova Iorque é um novato da política. No ano passado, gastou 70 milhões de dólares (80 milhões de euros) do seu bolso numa campanha para ser eleito presidente da câmara da "big apple" - o suficiente para pagar uma refeição num restaurante de "fast food" a cada um dos oito milhões de nova-iorquinos.Mas não foi (só) o dinheiro a garantir a eleição de Bloomberg. Foi também a sua reputação de gestor de sucesso, obtida à custa da construção do enorme império mediático que tem o seu nome. E foi, sobretudo, à custa do apoio do seu antecessor, Rudy Giuliani, que, nos últimos dias de uma campanha dividida, fez pender a balança para o lado de Bloomberg.A herança de Giuliani é um fardo inescapável para Bloomberg. O "mayor" Rudy adquiriu um estatuto mítico entre os nova-iorquinos. Antes de 11 de Setembro, Giuliani era uma figura controversa, mas a quem mesmo os seus detractores reconheciam grandes triunfos. Giuliani "limpou" Nova Iorque, quebrou as mafias que controlavam sectores como a recolha do lixo, baixou drasticamente a taxa de crime, revitalizou a economia nova-iorquina.Depois da sua resposta ao 11 de Setembro, Giuliani passou a ser nada menos que um santo em Nova Iorque. Chegou a falar-se em contornar a lei que proíbe um "mayor" de servir mais de dois mandatos consecutivos para lhe permitir continuar à frente da cidade. Giuliani decidiu, contudo, que era melhor sair, e passou o testemunho a Bloomberg.Michael Bloomberg não gosta de falar de Rudy Giuliani. Quando questionado sobre o trabalho do seu antecessor, o novo "mayor" de Nova Iorque esquiva-se a fazer comentários. "Cada administração tem de lidar com os seus problemas. Não sei se teria feito o mesmo que o Rudy. É certo que ele deixou a cidade muito melhor do que ela estava há oito anos. Mas agora temos problemas diferentes, e não me parece produtivo olhar para o passado."Quando lhe perguntam o que acha de colocar Giuliani à frente da gestão dos fundos de caridade para as vítimas do 11 de Setembro, o novo "mayor" recusa comprometer-se: "Isso é uma opção dele." Ou seja, Bloomberg não iria nunca vetar o nome de Rudy, mas também não quer colar-se demais à figura "larger than life" do seu antecessor.Os primeiros dois meses da gestão de Bloomberg serviram para perceber as diferenças entre Rudy e Mike. Para a sua equipa, Bloomberg recuperou poucos elementos do "staff" de Giuliani. E Bloomberg parece querer estabelecer um elo diferente com as minorias étnicas da cidade, com quem Giuliani teve frequentemente uma relação tensa: "Nesta cidade, é preciso falar com toda a gente, sobretudo com aqueles que menos esperam ser ouvidos.""Uns 40 por cento dos cidadãos de Nova Iorque nasceram no estrangeiro. Se as nossas escolas quiserem mandar uma carta aos pais dos seus alunos, ela tem de ser escrita em mais de 120 línguas diferentes." Mas Bloomberg diz que isto não é um contra mas uma vantagem.Ao contrário do irascível Giuliani, Bloomberg tenta cultivar um estilo descontraído. O seu talento oratório não é famoso, mas Bloomberg contorna a sua falta de eloquência com o recurso a constantes piadas, muitas improvisadas. A primeira coisa que disse aos jornalistas estrangeiros foi: "Não sei quantos de vós vivem aqui na cidade, mas dou-vos as boas vindas a todos e espero que gastem todos muito dinheiro aqui. Aceitamos dinheiro de toda a gente, até do quarto poder, não temos escrúpulos nenhuns aqui."Mais tarde, quando lhe perguntam as diferenças entre o sector privado e o Estado, responde: "A diferença é que o mundo dos negócios funciona numa lógica de cão-mata-cão ["dog eat dog"]. No Estado, é exactamente o contrário." Mas as piadinhas de Bloomberg também o metem em apuros. Numa entrevista radiofónica no início do seu mandato, disse que ia resolver o défice orçamental com despedimentos em massa de funcionários municipais: "Vai tudo para a rua." Os funcionários não acharam graça.Bloomberg tem na ponta da língua todas as estatísticas e factos sobre qualquer questão que lhe seja colocada. Mas o verniz salta-lhe quando uma jornalista da BBC lhe faz uma pergunta sobre a qualidade do ar junto à zona do World Trade Center. "O ar é óptimo", diz, zangado. "Há lá centenas de técnicos com instrumentos de medição que lhe podem dizer isso. A BBC se quiser que leve os seus próprios instrumentos para confirmar." O episódio é típico de alguma crispação entre a imprensa e um empresário que ainda está a aprender a ser político. No final de Fevereiro, Bloomberg foi passar um fim-de-semana de folga a uma das suas casas nas Bermudas, sem dizer a ninguém onde ia. Depois de regressar, Bloomberg recusou-se a dar quaisquer pormenores sobre a sua viagem, dizendo que mesmo o "mayor" tem direito à sua privacidade, e argumentando que "esteve sempre contactável" durante as suas folgas.A imprensa séria criticou Bloomberg pela sua arrogância, notando que até o Presidente dos Estados Unidos dá informações detalhadas sobre o seu itinerário. A imprensa tablóide, essa divertiu-se à brava com o episódio, fazendo capas com títulos como "Onde está Mike?" ou com a sua foto colada a um pacote de leite - o método típico usado nos EUA para procurar por crianças desaparecidas."A recessão económica já vinha a caminho, mesmo que não houvesse um 11 de Setembro; [o ataque terrorista] exacerbou-a. Sendo uma cidade cuja economia é baseada no turismo, nos mercados financeiros de Wall Street e na indústria do entretenimento, a recessão atingiu-nos de forma particularmente grave", diz Bloomberg. No entanto, promete o "mayor", o efeito deste mau ciclo económico não será duradouro para a "big apple".O problema mais grave que Bloomberg enfrenta de imediato é equilibrar as finanças da cidade. Nova Iorque tem um orçamento de 42 mil milhões de dólares (47 mil milhões de euros); para o próximo ano, prevê-se um défice de 4,7 mil milhões de dólares. Para equilibrar o orçamento "não se pode subir os impostos, porque isso iria afugentar as empresas, e não se pode cortar demais nos serviços, porque numa altura de crise é que as pessoas mais precisam do apoio do Estado".Como é que Bloomberg se propõe resolver o problema, então? "Vamos tentar fazer cortes nos serviços menos essenciais, e vamos tentar explicar às pessoas que o dinheiro não chega para tudo. Por lei, sou obrigado a equilibrar o orçamento, por isso vamos ter de fazer alguns cortes." Sem poder aumentar os impostos nem cortar demais nas despesas, Bloomberg virou-se para um alvo muito popular nos EUA: os fumadores. Vários estados norte-americanos têm usado impostos sobre o tabaco como forma de suprir défices orçamentais, mas a municipalidade de Nova Iorque optou por uma solução radical: a partir deste mês, os cigarros nova-iorquinos vão passar a ser os mais caros da América. Um maço custará sete dólares (oito euros), um aumento de quase 40 por cento.Apesar da crise, Bloomberg nega que Nova Iorque tenha deixado de ser o maior centro financeiro da América, desmentindo as análises que falam numa fuga em massa de empresas e empregos para fora da cidade. "É verdade que algumas empresas saíram do centro de Nova Iorque, mas poucas. Se uma empresa quer competir a nível mundial, este continua a ser o sítio onde ela tem de estar."O "mayor" desmente também que a criminalidade tenha aumentado em Nova Iorque depois do 11 de Setembro; na verdade, diz Bloomberg, ela baixou: "Nova Iorque é hoje a metrópole mais segura da América, talvez mesmo a grande cidade mais segura do mundo. Apesar de a polícia estar sobrecarregada com a vigilância contra o terrorismo desde o 11 de Setembro, a verdade é que as estatísticas do crime têm baixado."Bloomberg recusa-se a falar em concreto sobre o seu projecto para o que deve ser erigido no local das ruínas do World Trade Center (WTC). "Posso garantir que não vão ser de certeza duas torres de 110 andares. Provavelmente, haverá um monumento no centro do local, rodeado de edifícios de escritórios e residenciais."Mas, diz o "mayor", antes de tomar uma decisão sobre o que construir, será necessário "ouvir todas as partes interessadas" - o proprietário das antigas torres, o governador do estado de Nova Iorque, as famílias das vítimas, ele próprio. Para já, Bloomberg limita-se a estabelecer um calendário.Até Maio, a remoção do entulho do WTC será completada. Depois, haverá um período para cerimónias em memória das vítimas no próprio local onde elas morreram. Em Novembro, espera-se que a circulação à volta da zona do WTC volte à normalidade, incluindo as estações de metropolitano actualmente fechadas. E, "algures no próximo ano", tomar-se-á uma decisão sobre o que construir no local do WTC.A médio prazo, Bloomberg quer revitalizar a cidade também através da promoção de grandes eventos. O "mayor" quer trazer à sua cidade o "Superbowl" (final do campeonato de futebol americano, maior acontecimento desportivo anual nos EUA), as convenções partidárias das próximas eleições presidenciais (em 2004) e, sobretudo, os Jogos Olímpicos de 2012.Nova Iorque já tinha apresentado uma candidatura antes de 11 de Setembro, e Bloomberg diz que agora, mais do que nunca, a cidade está preparada para acolher os Jogos. "O encontro do Fórum Económico Mundial [que decorreu em Nova Iorque no final de Janeiro] mostrou que esta cidade é o palco ideal para grandes eventos. Em tempo recorde, menos de dois meses, conseguimos organizar o encontro do Fórum, e de uma maneira que permitiu que as pessoas exercessem o seu direito a protestar sem que houvesse distúrbios graves. Da mesma maneira, estou confiante de que iremos ganhar a organização dos Jogos de 2012, e, se os ganharmos, serão os melhores Jogos de sempre."Mas esse é um projecto longínquo. Os próximos tempos não se avizinham fáceis para a gestão de Nova Iorque. Bloomberg, contudo, é um optimista: "Fui eleito como candidato do Partido Republicano numa cidade que vota democrata na proporção de cinco para um. Não tenho medo."

Sugerir correcção