O essencial do novo som da Noruega

Em 1985, pela primeira vez, uma banda norueguesa cintilou nos tops internacionais. A boa fortuna não trouxe, porém, grande prestígio, quando a new wave plástica dos A-ha não era nenhum prodígio artístico. De resto, foi preciso esperar dez anos para um novo nome norueguês ascender à ribalta da indústria musical. Terá sido pior a emenda que o soneto, quando o segundo maior sucesso do país escandinavo se consubstanciou nos Secret Garden, vencedores do Festival Eurovisão e depois disso triunfadores no segmento da música para passar pelas brasas, mais conhecida por "new age".Hamburgers e soporíferos foram, em resumo, os produtos musicais que a Noruega exportou nas duas últimas décadas. Há, no entanto, que relativizar esta censura e reconhecer a contribuição do país do sol da meia noite para a evolução do jazz desde o início dos anos 70 com valores tais que Jan Garbarek, Arild Andersen, Jon Christiansen e Terje Rypdal. Agora, mesmo o jazz goza na Noruega de um prestígio inimaginável noutros países europeus, e o primeiro posto da tabela de vendas de álbuns locais foi durante boa parte do Outono passado ocupado por "At First Light" da cantora de jazz Silie Nergaard. O que não impede, por outro lado, que os A-ha persistam como a força maior no campo da exportação, e o seu recente álbum "Major Earth, Minor Sky" já vendeu para cima de um milhão de cópias na Europa. Desde meados dos anos 90, no entanto, despontou uma geração de jovens artistas noruegueses com outras sensibilidades musicais. Começaram por vingar num mercado interno em franca expansão - em meados da década anterior era o segundo país do mundo que mais gasta em música por habitante - para no início do novo milénio se lançarem na exportação. No último Midem, o encontro anual do sector da música em Cannes, esta vaga expansionista atingiu um auge com a Noruega a organizar a gala de abertura do certame, animada por uma alargada embaixada dos seus jovens talentos.Comum a esta recente fornada de música norueguesa é os seus expoentes cantarem num inglês tão fluente quanto o dos suecos, e investirem em áreas de matriz anglo-saxónica. Na verdade, o novo som da Noruega não se singulariza pela exploração das suas raízes ou da sua língua, mas pela colagem ao mapa das grandes tendências internacionais - o que, aliás, não é pacífico, crescendo o tom das críticas dos artistas mais velhos aos estrangeirismos dos mais novos. Na opção por géneros internacionais, os noruegueses não podem deixar de traçar analogias com os seus vizinhos/rivais de sempre, como reconhece Barry Matheson, director do seu secretariado da exportação: "Durante muito tempo os noruegueses tiveram ciúmes dos suecos, porque estes sempre controlaram os tops da pop. Mas o que os noruegueses estão a fazer agora é muito mais amplo - está a acontecer em todos os géneros e através de todos os sectores da indústria musical"("Midem News"). Rivalidades à parte, Matheson tem razão: o seu novo punhado de artistas projecta-se num espectro que toca os principais géneros da música popular contemporânea. A interrogação mantém-se, apesar de tudo: haverá denominadores comuns, especificamente noruegueses a esta geração musical? O que há, para começar, são correntes: folk acústica(Sondre Lerche, Kings of Convenience e sua contrapartida feminina sob a sigla Ephemera), country alternativo (Madrugada, St Thomas e Midnight Choir), rock indie (Cato Salsa Experience, Furia), pop adolescente (Lene Marlin, Marion), electrónica de assento house (Illumination, Royksopp), ou ainda experimentalismo (Anja Garbarek, Kroyt). Se desta variedade retiramos o rock indie e a pop adolescente, que são em si mesmos territórios à parte, o que verificamos é um certo ar de família. Anja Garbarek e os St Thomas partilham de conceitos aparentados de paisagem sonora; o culto da estranheza que por outro lado os aproxima também se vislumbra nos Illumination, ou nos Royksopp. E em todos, da folk acústica à electrónica mais abstracta, pressente-se a mesma intensidade de uma vivência interior rasgada por uma solidão e uma melancolia irreparáveis. São sentimentos que sem dificuldade se identificam com uma condição, ou pelo menos um estado de espírito propriamente norueguês e que singularizam a sua talentosa nova geração musical.

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