Morreu Teresa Roby, a actriz que lutava "contra o óbvio"

Não era "uma actriz que vive as personagens, são as personagens que vivem para sempre por causa dela". É assim que o realizador João Mário Grilo, que filmou Teresa Roby este Verão em "A Falha", define a actriz, que morreu no domingo, aos 45 anos, vítima de cancro, no Porto, onde vivia há cerca de dois anos. Grilo quer dedicar-lhe o filme que "tinha uma direcção, mas Teresa inflectiu-a, tarefa suprema de um actor". Merece-o, "não por ter morrido mas por ter vivido". "Estou convencido que era a grande actriz portuguesa", acrescenta o realizador que a filmou por uma vez e diz que o seu desaparecimento é "uma enorme perda para o cinema e para o teatro".Grilo fala ainda de Teresa Roby como uma actriz que pertencia aos que fazem do "corpo e da cabeça" os seus veículos, algo "que domina" e torna tudo "tão convincente e forte", algo tão distante da psicologização telenovelesca.Teresa Villaverde, que a filmou em "A Idade Maior" e em "Os Mutantes", lembra: "Era uma actriz extraordinária, com uma força enorme, uma pessoa muito bonita. Tinha uma grande experiência profissional mas também de vida, por isso trazia tanta riqueza aos papéis". O seu desaparecimento representa uma grande falta "concreta" no cinema e no teatro.Foi com Filipe La Féria que Teresa Roby, "uma actriz completíssima, que fez desde a revista aos clássicos", começou a pisar os palcos. Conheceram-se numa discoteca, quando ela tinha 16 anos. Mais tarde, em 1976, a actriz entrou em "Uma No Cravo, Outra Na Ditadura", e seguir-se-ão outras peças, como "A Paixão Segundo Pier Paolo Pasolini", "Noites de Anto" ou a última, "As Fúrias", no D. Maria II, em 94. E "Eva Perón", em 1978, a peça que marcaria a sua carreira. O encenador recorda a "grande sensibilidade e criatividade, a voz inconfundível, uns olhos....". E diz: "Se não tivesse vivido neste país podia ter sido uma Jeanne Moreau, tinha um rosto feito para o cinema e também para o teatro."Lembra-a também como uma mulher marginal, porque nunca escolheu fixar-se numa companhia. "A vida dela foi uma constante procura. Uma vida muito rica, muito perigosa, sempre no fio de uma lâmina. Enquanto pessoa era muito bondosa, muito bem formada."Em 1991, numa entrevista a propósito do prémio de interpretação feminina no Festival de Cinema de Dunquerque por "A Idade Maior", de Villaverde -, a actriz contava que La Féria tinha sido, "sem dúvida alguma", uma das pessoas com quem mais gostou de trabalhar. "Sabe perfeitamente o que quer em termos de espectáculo, ao contrário de muitos encenadores, que não sabem o que fazer das peças e ficam à espera que os actores façam milagres. Trabalhar com actores é uma coisa muito difícil, somos pessoas esquisitas". Sobre o prémio, afirmava: "Em termos práticos, isto pode não significar nada. Nunca estamos à espera de receber um prémio. É estranho. De alguma forma, vem dizer que nós até valemos a pena". Porque, sublinhava, já lhe tinha acontecido ficar sem trabalho, como os dois anos que se seguiram ao sucesso de "Evita". "Cá, o actor não é muito acarinhado e está no nível mais baixo da hierarquia cultural. Fartamo-nos de trabalhar, nem sempre nas melhores condições, mas nada deixa marcas importantes. Isso é o óbvio em Portugal. Continuo a ser actriz para lutar contra o óbvio."Para Jorge Silva Melo - com quem trabalhou a partir de 1996, em "Prometeu Agrilhoado", "Coriolano", "A Queda do Egoísta Johann Fatzer" ou "Na Selva das Cidades" -, "sempre houve qualquer coisa de muito antigo nesta mulher moderna que foi a Teresa Roby". E acrescenta: "Desabrigada nos ventos dos poderes teatrais, estóica, determinada, imensamente terna e infinitamente amiga, esta mulher que continuo a imaginar antiga representava de uma forma que eu chamaria romana: era íntegra, directa, sem rodeios, sem temor, com o veludo sombrio de uma voz rara levando-nos pela noite." Do seu percurso artístico, contam-se ainda as participações em filmes de João Botelho, Joaquim Leitão, Edgar Pêra e Nuno Rebelo, José Fonseca e Costa, Margarida Cardoso ou Inês de Medeiros. No teatro, colaborou com Luís Miguel Cintra, o Novo Grupo, São José Almeida, Celso Cleto, José Wallenstein, com o Teatro Só, com Lucinda Loureiro e São José Lapa, com quem criou "As Apaixonadas", no início dos anos 80. E com Paulo Castro, que a dirigiu em "O Caos é Vizinho de Deus", de Lars Norén, em Setembro último, no Porto: "Uma das mulheres mais fortes que conheci. Das poucas pessoas com um verdadeiro espírito pasoliniano - tinha um amor e uma grande dedicação ao trabalho, mesmo que isso levasse à ideia de sacrifício". "É a ela e a mais ninguém que se deve aquela peça", sublinha. Na altura, e tendo em conta a sua personagem - uma mulher que sofria de cancro, à beira da morte -, Paulo Castro pensou em desistir da encenação. A primeira recusa veio da actriz: "Ela deu uma grande lição de vida a toda a equipa. Quis levar a peça para a frente, lutando contra a morte fazendo teatro. Animava os colegas para não caírem em melancolia." O corpo de Teresa Roby, filha do jornalista José Roby Amorim e irmã do também jornalista Nuno Roby, encontra-se em câmara ardente na igreja da Pasteleira. Por sua vontade, o seu corpo será cremado no Prado do Repouso, desejo expresso pela actriz de o ser no Porto e não em Lisboa, onde nasceu. As cerimónias fúnebres realizam-se hoje, a partir das 15h30.com Maria José Oliveira

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