Actor e encenador Fernando Gusmão morre aos 84 anos

O actor e encenador Fernando Gusmão faleceu anteontem, com 84 anos, na Casa do Artista, em Lisboa, onde residia há cerca de um ano. O funeral realiza-se esta tarde, a partir das 14h30, sendo o corpo transportado da Basílica da Estrela para o cemitério de Carnide. Considerado por muitos uma figura incontornável da segunda metade do século XX - "era um actor excepcional e para a minha geração foi um mestre de ética profissional", nota o actor Rui Mendes - Fernando Gusmão foi um dos fundadores, em 1961, do Teatro Moderno de Lisboa, juntamente com Armando Cortez, Rogério Paulo e Rui Mendes. Este grupo viria a inspirar, mais tarde, a criação de uma série de companhias teatrais, entre as quais o Grupo 4, a Proposta e o Grupo de Campolide, aponta Rui Mendes. "Guardo muita saudade dele. Gusmão foi uma pessoa muito importante na evolução do teatro português a partir dos finais dos anos 50", afirma, destacando no seu carácter "um grande lutador contra a censura". Por isso, acrescenta, "raramente era chamado para trabalhar na Emissora Nacional". Um dos maiores sucessos do Teatro Moderno de Lisboa foi a sua encenação de "O Render dos Heróis", de José Cardoso Pires, uma peça que recolheu "muito êxito" e que viria a encerrar a actividade do grupo. Depois de um período de auge como actor, nomeadamente na década de 50, Fernando Gusmão dedica-se à encenação no grupo Cénico de Direito, em Lisboa, e entre 1966/67 é convidado para director artístico do Teatro Experimental do Porto (TEP). Durante esta temporada, apresenta "projectos ambiciosos", recorda Júlio Gago, actual responsável pela companhia, e reabre a escola de teatro para novos actores. Assistente de Gusmão, Júlio Gago sublinha que foi sob a sua direcção que o TEP levou à cena, em estreia nacional, "O Tempo e a Ira", de John Osborne - "um dos espectáculos mais arrojados da época" -, e "A Voz Humana", de Jean Cocteau, interpretada por Maria Barroso. Em 1970, o actor/encenador passa uma temporada em Moçambique, onde dirige o Teatro dos Estudantes Universitários, regressando a África, designadamente à Guiné-Bissau, já depois do 25 de Abril, para ministrar um curso de formação de actores. Ainda no âmbito do teatro universitário, Fernando Gusmão realiza breves passagens pelo CITAC, de Coimbra, onde encena, entre outras peças, "O Asno", de José Ruibal, e "A Excepção e a Regra", de Brecht. Após a Revolução dos Cravos, regressa ao Grupo 4, ao Grupo de Campolide e, finalmente, ao TEP. É nesta companhia que dirige, em 1984, a sua última produção: "O Observador", uma colagem da obra homónima de Luis Matilla e de "A Renúncia", de Lopez Mozo. Após o espectáculo, abandonou a carreira teatral e já em 1995 o TEP nomeou-o sócio honorário do grupo. "Ele não quis estar presente na cerimónia da entrega da distinção porque achava que esse tipo de honrarias não se coadunava com a sua personalidade", frisa Júlio Gago. A sua modéstia e discrição são também realçadas por Rui Mendes: "Muitos colegas da minha geração não sabem quem foi o Fernando Gusmão. Além de rejeitar qualquer protagonismo, ele incompatibilizava-se com certos caminhos do teatro e da televisão."Para além da arte dramática e da televisão - Rui Mendes afirma que Gusmão interpretou teatro televisivo nas décadas de 60 e 70 -, o actor participou ainda em oito filmes. Porém, a sua passagem pelo cinema não foi muito assinalável, explica Mendes, recordando a película "A Caçada do Malhadeiro", realizada por Quirino Simões, onde contracenou com Gusmão. "Foi o seu primeiro papel como protagonista, mas o filme não teve sucesso". Entre as restantes obras cinematográficas, nas quais assumia papéis secundários, contam-se "Saltimbancos", de Manuel Guimarães, "O Primo Basílio", de António Lopes Ribeiro, e "Os Demónios de Alcácer Kibir", de José Fonseca e Costa. Em meados da década de 90, Fernando Gusmão escreveu "A Fala da Memória", um livro autobiográfico, e após o falecimento da sua esposa "ficou muito sozinho", diz Mendes.

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