Imigrantes de Leste vieram para ficar

Deixaram os países de origem por questões económicas - alguns eram pagos em géneros. A maior parte tem formação académica, mas, por cá, luta apenas por um contrato de trabalho. Vivem em pequenas comunidades, trabalham quase todos nos ramos da construção civil e da restauração, apreciam a praia e compram automóveis em conjunto. E vieram para ficar. O regresso a casa é, para a maioria, o presente de Natal oferecido à família. É este o retrato possível dos imigrantes de Leste no nosso país, de acordo com um trabalho elaborado pelo Observatório Social da Universidade de Aveiro (UA).Conseguir que um grupo de imigrantes de Leste responda a um questionário pode ser uma tarefa quase inglória. Os objectivos científicos do trabalho têm de ser muito bem sustentados e o melhor é contar com a colaboração de alguém que garanta a mediação. Um tradutor, por exemplo, ou qualquer outro compatriota que induza confiança. E, ainda assim, os dados obtidos resumem-se ao que é superficial ou "politicamente correcto". "Podem admitir que há quem trabalhe na clandestinidade, mas nunca falam nas mafias", diz Liliana Sousa, responsável pela investigação da UA.Intitulado "Imigrantes de Leste, uma nova realidade", é o primeiro trabalho publicado no país sobre este tema. Com base em elementos fornecidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o estudo começou por entrevistar um grupo de seis pessoas, seleccionadas como representantes, e passou depois aos inquéritos distribuídos por 81 imigrantes fixados no concelho de Aveiro. Responderam aos questionários, traduzidos em russo, 29 mulheres e 52 homens, com idades compreendidas entre os 15 e os 59 anos. Do grupo, que integrou 60 ucranianos e 13 russos, constam 30 licenciados e 18 bacharéis. O analfabetismo é um fenómeno raro na comunidade, embora muito poucos exijam um emprego à altura das suas habilitações literárias.O que os imigrantes de Leste querem mesmo é um contrato de trabalho e uma autorização de residência. Porque a maior parte veio para ficar, com a ideia de que, em Portugal, o processo de legalização é relativamente simples, e arranjar emprego é igualmente fácil. Mas um emprego duradouro e não sazonal, ao contrário do que abunda em Espanha. Quando questionados sobre a forma como alcançaram estas informações, dizem que souberam por outros imigrantes com quem trocam correspondência ou mantêm contacto telefónico. De acordo com o estudo, uma região como Aveiro é um foco de atracção, porque tem grande dinamismo no ramo da construção e obras públicas e porque a habitação é mais barata do que em cidades como Lisboa ou Porto.Uma vez fixados, optam por morar na periferia, habitualmente em regime de divisão de alojamento - entre os entrevistados, metade respondeu viver com amigos e colegas de trabalho. "Normalmente são pessoas com mais do que um emprego", diz Liliana Sousa, referindo que 19 dos inquiridos têm ocupações na área da construção civil e da restauração e limpeza, 24 arranjaram emprego através de pessoas conhecidas em Portugal, e 19 a partir do país de origem. À aventura, vieram 13. "A média está satisfeita com o emprego", prossegue a responsável, ainda que um dos principais problemas seja apontado na direcção dos patrões que prometem contratos e ficam a dever dinheiro.Seguem-se a falta de apoio jurídico e a barreira da língua. "Praticamente todos vão para escolas aprender português, mas ficam normalmente pelo essencial", explica a investigadora, avançando que 68 dos 81 imigrantes que responderam ao questionário revelaram já ter amigos portugueses. O que mais gostam de fazer nos tempos livres? Ir à praia, ver televisão ou futebol, e sair com os amigos. E quais os planos que têm para o futuro? 28 estão decididos a ficar no nosso país, 15 dizem-se indecisos, sete pretendem tentar a sorte noutro destino, e apenas 21 preferem voltar à terra natal, para onde todos, praticamente sem excepção, enviam dinheiro.Quando têm problemas de saúde, os imigrantes de Leste optam pela automedicação ou recorrem às urgências hospitalares, e consideram que os médicos "são impecáveis, fazem tudo para ajudar", revela Liliana Sousa. E acrescenta: "Outra ideia que ficou do trabalho é que, em geral, estas pessoas notam o atraso de Portugal em relação ao resto da Europa, além de considerarem o analfabetismo um fenómeno estranho". "No geral, estes são dados superficiais, retirados daquilo que eles dizem. Para um conhecimento mais profundo, seria necessário participar nos seus modos de vida, para perceber estas redes sociais", defende a investigadora.

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