Para que servem os professores?

Portugal e os portugueses têm uma extraordinária capacidade de resistência. À semelhança dos pés de couve capazes de medrar tanto nas encostas mais escalavradas deste país como no bocadinho de terreno ainda não alcatroado no acesso a um qualquer viaduto, assim somos nós. Vamos a reuniões, definimos objectivos, adoramos linguagens técnicas mas, por baixo de tudo isso, continuamos a levar a nossa vidinha, com aquela alma camponesa, ladina e manhosa, misto de Malhadinhas e Fernão Mendes Pinto. Contudo ainda existem pessoas que têm a capacidade de nos surpreender. Uma delas é a secretária-geral da Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE), Manuela Teixeira que, a propósito da interrupção lectiva prevista para a próxima semana, declarou, segundo o PÚBLICO de ontem, que "os docentes "não são obrigados a fazer de animadores" e que se a tutela quiser encurtar as pausas ou promover acções de formação para os professores pode fazê-lo - não pode é exigir aos docentes que estejam com os alunos. "Não traz qualquer melhoria, só vem criar mais 'stress'".O que é fantástico nesta frase - "Não traz qualquer melhoria, só vem criar mais 'stress'" - é que ela confirma as suspeitas dos mais cépticos a propósito acerca da relação professores-alunos. Então se o facto dos professores estarem com os alunos não traz qualquer melhoria, para que servem os professores? Para que andamos há décadas a afectar recursos materiais e humanos às escolas ou seja aos locais onde é suposto que as crianças e jovens possam estar com os seus professores? Pelos vistos para nada, apenas para gerar stress.Mas o mais grave nesta frase é que quem a proferiu não é nenhum professor recém-colocado, nem sequer um qualquer dirigente estudantil ainda novato nestas lides, ou mesmo uma associação de pais em guerra com os professores duma escola. Quem considera que os professores estarem com os alunos "Não traz qualquer melhoria, só vem criar mais 'stress'" é uma pessoa com fortes responsabilidades no movimento sindical dos professores.Não deve ser caso único na história do movimento sindical mas é certamente insólito e muito triste que, na falta de melhores argumentos, se defenda o direito às férias duma classe denegrindo e apoucando o trabalho dessa mesma classe: como estar com os alunos "Não traz qualquer melhoria, só vem criar mais 'stress'", então já estão legitimadas as férias! As do Carnaval ou quaisquer outras. Pela mesma ordem de ideias, professores e alunos nem deviam voltar à escola, não vá esse insidioso "stress", qual urticária borbulhenta, quebrar-lhes o que Manuela Teixeira deve ter como a desejável quietude dos dias. Aliás nem se percebe como se mantêm no curriculum conteúdos tão "stressantes" quanto o Português e a Matemática. Começa por ser um "stress" para os professores que têm de ensinar, prossegue como "stress" para os alunos que é suposto terem de aprender e descamba num terrível "stress" para todos nós, quando constatamos que mesmo que os professores ensinem, os alunos não estão a aprender: zero foi a pontuação obtida na resolução de problemas matemáticos por 40 por cento dos 118 mil alunos do 4º e 6º anos de escolaridade que efectuaram provas de aferição no ano lectivo 2000/2001. Atrás destes resultados estão vários problemas. Alguns desses problemas ultrapassam a escola mas outros nascem dentro dela e prendem-se directamente com a relação professor-aluno. Ao longo dos últimos anos, os fracos vencimentos dos professores e os poucos estímulos profissionais dados à carreira docente têm justificado a forma displicente com que muitos professores encaram a profissão. Mas tal como há que assumir que os pais exigem actualmente das escolas do ensino básico quer horários quer um acompanhamento aos seus filhos que ultrapassam em muito a componente lectiva, também não se pode continuar a escamotear o 'vale tudo menos estar com os alunos' que transparece nas palavras de Manuela Teixeira.Mas para já vamos continuar a enterrar a cabeça na areia, estratégia que ao que tudo indica nem as avestruzes usam. Na próxima semana o ministério da Educação vai continuar a repetir as declarações do secretário de estado João Praia - "As escolas não podem estar fechadas e os senhores professores têm de encontrar um calendário de presenças na escola" -, os professores de algumas escolas vão reunir para debaterem o inevitável plano educativo. A única coisa que não se sabe ao certo é em que escolas vão estar a funcionar as actividades não lectivas previstas para ocupar as crianças durante este tempo. Aliás nem convém que se saiba porque isso implicava averiguar o que se passou realmente nas escolas e, eventualmente, apurar responsabilidades. Quanto às crianças e suas famílias essas de há muito que sabem que as actividades não lectivas não passam na maior parte dos casos duma alínea muito discutida no plano educativo das escolas.

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