Termómetro Unplugged, o palco das bandas de garagem

A culpa é da SIC Radical. Ou talvez não. A jogar quase em casa, os cinco elementos dos Stowaways encheram sozinhos o bar Triplex, que acolheu, na noite de anteontem - a palavra madrugada talvez seja mais exacta -, a primeira eliminatória do Festival Termómetro Unplugged, já na sua oitava edição. É certo que o volumoso estaminé montado pela estação de televisão oficial do Termómetro reduziu para metade o espaço disponível e inflacionou a visibilidade do evento, mas a verdade verdadeira é que o Nuno - para quem não sabe, o vocalista e guitarrista dos Stowaways, que teve direito aos principais piropos da eliminatória - foi o grande responsável pela enchente da estreia e pela invasão do Triplex por uma considerável percentagem de alunos da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, compenetradíssima no seu papel de extrovertida claque de apoio da banda vencedora. Faltou pouco para que se instalasse o clássico "já ganhou". Foi preciso, porém, esperar quatro horas - a eliminatória começou com um penoso atraso de 120 minutos, mais coisa, menos coisa - para conhecer o previsível veredicto de um júri que terá sido contagiado pela reacção de entusiasmo militante suscitada pelos Stowaways. Enquanto a casa continuava a compor-se, para terror de quem achava, e bem, que qualquer alfinete a mais já era fastio, as cinco bandas de garagem à espera de um lugar na final de 26 de Janeiro- e de uma possível vitória com direito à edição de um cd-single com dois temas originais, à gravação de um videoclip a cargo da realizadora Rita Nunes e a uma sessão profissional de fotografias - iam exorcizando o nervosismo. Para muitos, era a hora de sair do armário. Stowaways incluídos, apesar da crise de identidade provocada pelos "spots" da SIC Radical, que trocou o primeiro "w" por um "n" e assim rebaptizou a banda. Duas horas antes da rendição incondicional do júri, Nuno ia explicando ao PÚBLICO o que é ser uma banda de garagem que nem sequer faz justiça ao título. "Não temos local de ensaios fixo - nem local de ensaios, sequer. É por isso que ensaiamos pouco: sempre que é preciso, temos de alugar uma sala. Juntamo-nos em casa, experimentamos coisas, aproveitamos o computador, enfim, passamos o tempo todo nisto. Mas sem grandes condições", avisava. Não era propriamente a primeira vez que tocavam ao vivo, mas tanta mediatização foi novidade absoluta. Mesmo assim, Nuno e o resto da banda encararam o teste com fleuma, sem grandes devaneios."Concorremos apenas porque tínhamos o material pronto, para ver o que acontecia, na desportiva. Ficámos um pouco surpreendidos com o apuramento da maquete - quanto mais não seja porque a organização nos telefonou às quatro da manhã", esclarece. Para uma banda "sem grande contacto com o mundo exterior", participar era mesmo o objectivo número um. "Só nos interessa que corra bem, e correr bem não passa, necessariamente, por ganhar a eliminatória. Mesmo que corra mal, mesmo que eu parta as cordas todas, pode ser bom". Sobretudo pelo contacto com o exterior - "não podemos ficar fechados no quarto para sempre", insiste -, até porque "esta não é a forma ideal de comunicar": a quota de dois originais e uma "cover" imposta a todas as bandas candidatas (25, repartidas por cinco eliminatórias a realizar até dia 19) é mínima.Mais seguros de si, os Frame - uma banda de Barcelos que recicla membros dos Astonishing Urbana Fall, dos This Isn't Luxury e de uma qualquer tuna da Universidade do Porto - pareciam jogar noutra divisão. Com apenas três meses de trabalho de casa e ideias fixas quanto ao caderno de encargos a seguir à risca - "a música actual é muito acelerada; nós queremos ser mais comedidos, andar mais devagar, trabalhar mais a música, incluir solos mais trabalhados e acordes menos básicos" -, a postura era bem mais sénior. Local de ensaios fixo, vida profissional encaminhada, muita rodagem em cafés - e uma passagem pelo Termómetro Unplugged que veio "por acaso". "Disseram-nos que já havia uma banda chamada Frame, e por isso folheámos meia dúzia de números recentes do 'Blitz' para saber se era verdade. Foi lá que vimos um anúncio do festival", recapitula o vocalista Berto. Prémios à parte, a divulgação garantida pelos órgãos oficiais do festival e pelos outros que aparecem para ver é uma enorme mais valia.Mesmo que o festival que revelou ao mundo bandas como Silence 4, Blind Zero e Ornatos Violeta não passe de um concurso cheio de boas intenções, o certo é que vai servindo de elucidativa montra das bandas anónimas que temos. Graças aos cinco candidatos anteontem a concurso - Puk, Sister Cloud, Cold September, Stowaways e Frame, por ordem de entrada em cena -, foi pelo menos possível diagnosticar o estado das coisas e traçar o retrato-robô do candidato ao Termómetro: canta em inglês, não descola do guru Eddie Vedder, já tem "groupies", em maior ou menor quantidade, e não revela grande imaginação.Excepção feita, já agora, aos grandes vencedores da noite, que tiveram a feliz ideia de reciclar o lírico "When You Wish Upon a Star", do universo Disney. A banda - e, provavelmente, a respectiva claque - regressa ao Termómetro para a final, no Teatro Sá da Bandeira. Antes ou depois dos Dandy Warhols, a banda norte-americana convidada para o encerramento.

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