Vitorino Nemésio, o poeta de tudo faz hoje cem anos

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Vitorino Nemésio ainda tem inéditos para publicar DR

Entre o terramoto político e o frenesim do Natal não é provável que o centenário de Vitorino Nemésio, hoje, produza uma avalanche de novos leitores. Mas se porventura acontecer, o mercado não vai estar à altura. Basta que mais de 37 pessoas queiram comprar "Mau Tempo no Canal", um dos grandes romances portugueses do século XX, e os exemplares disponíveis não serão suficientes. Dos 17 mil que imprimiu ao longo dos anos, a Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM) - detentora dos direitos e editora das obras completas de Vitorino Nemésio desde 1989 - tem apenas 37. Fora das livrarias da INCM (oito em Lisboa, duas no Porto, uma no Brasil, uma em Coimbra e postos de venda em Viseu e Aveiro), o mais certo é receber a informação de que a obra está esgotada. A INCM espera reeditá-la em 2002.

Quanto ao volume I da "Poesia", só em alfarrabistas ou na loja do Brasil. A INCM, em Portugal, não tem um único exemplar dos três mil impressos. Também esgotada está a biografia romanceada "Isabel de Aragão Rainha Santa", com prefácio de José Mattoso. Acresce a dificuldade de, em muitas livrarias, os restantes 14 volumes da vasta obra de Nemésio - poeta de tudo, dizia ser - já publicados pela INCM ou não se encontrarem na totalidade ou não estarem à vista. "Estamos a fazer um grande esforço para dar uma resposta pronta aos pedidos de reposição, mas não podemos obrigar os livreiros a ter os nossos livros", ressalva Margarida Santos, directora do departamento editorial da INCM.
Sobre os volumes esgotados, esta responsável sublinha que "às vezes é mais útil avançar com a publicação de outros, que há muito não estão disponíveis, visto que os já publicados, mesmo esgotados, se podem ler nas bibliotecas".
É aqui, nas novas publicações, que começam as boas notícias. Na colecção da INCM, coordenada por António Machado Pires - um dos últimos professores assistentes de Nemésio, e, como ele, natural da Ilha Terceira - vai sair o III volume da "Poesia", com inéditos, organizado por Luiz Fagundes Duarte.
Antes, anuncia-se o volume duplo de contos "Paço do Milhafre"/"O Mistério do Paço do Milhafre", coordenado por Urbano Bettencourt. Ainda em preparação, seguem-se "O Destino de Gomes Leal", "Era do Átomo, Crise do Homem", um volume de biografias e perfis e a tese de doutoramento de Nemésio, sobre a mocidade de Alexandre Herculano.
O tempo que leva cada publicação destas, relembra Margarida Santos, prende-se com o trabalho crítico e de fixação de textos que os critérios da colecção da INCM - ou seja, os de uma edição de referência - exigem.

As novidades da Terceira

CD com poemas e com os programas de rádio de Nemésio, vídeos e postais com os lugares nemesianos, livros, concertos, exposições, recitais e dezenas e dezenas de conferências prometem-se a partir da Ilha Terceira, onde as comemorações começaram há seis meses e ainda vão durar mais um ano, com extensões a outras ilhas açorianas. O centro das iniciativas é Praia da Vitória, terra natal de Nemésio. A câmara local formou uma comissão para as comemorações, cujo coordenador executivo é Eduardo Rosa, estudioso da obra nemesiana, e seu parente por via de "uma tia-avó irmã do avô de Nemésio".
Com a descendência directa de Nemésio na plateia conta a sessão de honra do dia de hoje. Um filho, um neto e um bisneto estarão presentes numa digressão pela genealogia do escritor preparada por Jorge Forjaz.
Mais à frente, entre as edições previstas ao longo de 2002, destaque-se um pacote de 10 CD com os programas de Nemésio na RDP (1977-78), "O que tenho a dizer", que são os últimos registos radiofónicos do escritor. Inclui um libreto (textos e iconografia) e será lançado com um espectáculo, no auditório da RDP, em Lisboa.
Outros pontos fortes anunciados são um livro com depoimentos e testemunhos inéditos de escritores, cientistas, artistas, antigos alunos e familiares; um CD com arranjos para coro e solistas a partir de poemas de Nemésio e dois roteiros - versão vídeo e impressa - dos lugares açorianos de Nemésio, particularmente os das ilhas de "Mau Tempo no Canal": Faial, Pico, São Jorge e Terceira.
Ainda segundo Eduardo Rosa, a "casa do nascimento" será recuperada e terá um núcleo museológico, e a "casa das tias" será transformada em biblioteca municipal, integrada na rede de leitura pública.
Por sua vez o Seminário Internacional de Estudos Nemesianos, em Ponta Delgada, presidido por Machado Pires, além de congressos, editou e lança agora simbolicamente um CD, "Nemésio de Viva Voz", com o poeta a dizer os seus poemas.
Resta dizer que os Açores receberão ainda, a partir de Março, a grande exposição deste centenário de Vitorino Nemésio: "Rotação da Memória", uma iniciativa da Biblioteca Nacional (BN), comissariada por Fátima Freitas Morna, Luiz Fagundes Duarte e Manuela Vasconcelos, também autores do exaustivo catálogo, que inclui inéditos. Abriu ao público há uma semana, na sede da BN, em Lisboa.

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