Amélie C'est Moi!

Jean Pierre Jeunet acabou por fazer muito pelo turismo parisiense. E poderá dizer, a propósito da heroína do seu filme, "Amélie c'est moi".

Quem gostou da desvairada e atmosférica fantasia gótica de Jean-Pierre Jeunet (e do excêntrico Marc Caro) "Delicatessen" vai gostar de saber que o realizador está de volta com "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", em estilo tipicamente francês, que transformou os franceses (oito milhões deles) em reféns emocionais.

Quando Jeunet, 45 anos, regressou a França, após ter feito "Alien Ressurrection" em Hollywood, estava decidido a realizar um filme francês, mas não do estilo sombrio de "Delicatessen" ou de "A Cidade das Crianças Perdidas" um fracasso que custou 18 milhões de dólares, cerca de 20,2 milhões de euros). Voltou então ao argumento de "...Amélie Poulain", que estivera a escrever antes de "Alien", e chegou a pedir aos responsáveis da Twentieth Century Fox para investirem no filme. A resposta dos estúdios, recorda, foi: "Isto não é o 'Titanic'!"

Um grande erro! "O Fabuloso Destino..." excedeu todas as expectativas em França e está a ser estreado em todo o mundo, incluindo nos EUA, onde vai ao encontro daquilo que os americanos gostam de pensar dos franceses e autoriza a que eles usem e abusem da palavra "charme" (a Miramax, que distribui o filme, vai, obviamente, tirar dividendos, querendo transformar "O Fabuloso Destino..." no "A Vida é Bela" dos próximos Óscares).

"Ao fim de dois anos na América quis renovar o meu amor por Paris," explica o realizador. "Queria recriar a cidade dos meus sonhos, a Paris onde nunca chove e onde não há caca de cão nas ruas. Decidi logo desde início que, quando as pessoas saíssem do cinema, estariam com largos sorrisos no rosto. Queria que fosse pessoal. Tinha estado a coligir histórias e piadas desde miúdo e estava a tentar encontrar uma forma de as ligar. Levou um certo tempo descobrir a chave do argumento e por fim percebi o que era aquela rapariga que tentava endireitar a vida de toda a gente."

Este conto de fadas dos tempos modernos passa-se em Montmartre, um dos últimos bastiões da velha Paris, cheio de excêntricos. Conta a história de uma empregada de mesa, tímida, de bom coração, cuja vida interior é muito mais imaginativa do que o seu monótono dia-a-dia; até que descobre uma caixa de tesouros de infância que a lança numa missão para a devolver ao seu legítimo dono. Amélie fica inebriada com a sua capacidade de modificar as vidas das pessoas tristes e sós que estão à sua volta. Só que se esquece de fazer bem a si própria e não vê o cavaleiro andante que tem debaixo dos seus olhos. A personagem de Amelie é em muitos aspectos o próprio Jeunet.

"Quando Rufus, que desempenha o papel de pai de Amélie, leu o argumento, disse imediatamente: 'Amélie és tu.' Eu não me considero capaz de mudar a vida das pessoas. Quem me dera poder fazê-lo! Mas como disse François Truffaut: 'É mais fácil comunicar com 800 pessoas sentadas numa sala às escuras do que comunicar com alguém cara a cara à luz do dia. Gosto de tudo o que tenha qualquer coisa a ver com destino. É por isso que gosto [do trabalho do escritor] Paul Auster e também de 'Magnolia', que acho que tem alguns pontos em comum [com 'Amélie']."

Milagre. Jeunet concebera originalmente a história tendo em mente Emily Watson, mas a actriz não estava na disposição de deixar a sua casa, por razões familiares. Jeunet cabou por reconhecer que a intérprete tinha de ser francesa, quando conheceu Audrey Tautou, que ganhara o César (correspondente francês do Óscar) de melhor revelação em "Venus Beauté".

"Vi duas actrizes francesas para este papel e ela foi a primeira. Normalmente vejo dez ou 20 actrizes, mas aqui aconteceu um milagrezinho raro. Passados quatro segundos, já tinha percebido que ia ser Audrey. Foi um momento muito emocionante para um realizador ter estado a imaginar alguém para o papel durante um ano e de repente ver essa pessoa materializar-se perante os nossos olhos como um milagre. Na edição em DVD do filme espero mostrar alguns dos melhores planos e poder-se-á ver que tudo correu sobre rodas. Na realidade, durante as filmagens nunca tive de lhe dizer o que ela deveria fazer - era algo que lhe surgia naturalmente."

À sua maneira perfeccionista, Jeunet resolveu transformar Audrey Tatou, 23 anos, numa mistura de Louise Brooks e Audrey Hepburn. "Usámos uma lente e uma focagem especiais de maneira a que os seus olhos parecessem sempre maiores", admite Jeunet. "Quando se trabalha com actrizes muito bonitas, como Winona Ryder e Audrey Tautou, o efeito é maravilhoso."

Será que Jeunet vai voltar a trabalhar com Marc Caro, cujas mais recentes participações foram "Vidoq", a fantasia de ficção científica, passada em 1830, que é a estreia como realizador do mago francês dos efeitos especiais, Pitof, que criou os efeitos dos três anteriores filmes de Jeunet?

"Quando trabalhei com Marc Caro - não somos irmãos, nem amantes, apenas amigos", afirma sarcasticamente -, "a emoção não saltava à vista. "Era normal. Depois disso fiquei satisfeito por me separar e explorar, tentar encontrar uma forma diferente, ser mais pessoal. Depois de 'Alien' suspirava por liberdade - embora tenha sido uma grande experiência em Hollywood. Orgulho-me muito do filme, mas não é a mesma coisa quando a história não é nossa. É mais fácil modificar um guião, mas não é a mesma coisa."

Jeunet estava, acima de tudo, satisfeito por regressar a casa. Ele é muito francês, apesar de não ser pomposo, ao velho estilo arrogante gaulês. É culto, simpático, bem parecido e gosta de vestir bem. Ultimamente tem feito bastante pelo turismo francês. "Tenho, pois", concorda com uma gargalhada. "Agora, em Montmarte, toda a gente quer ver o café do filme. Há uma padaria em frente ao café e temos 'La Bagette Amélie'. E existe um pequeno comboio para turistas. Ouvi-os dizer: 'Este é o café onde filmaram o 'Amélie!' Também todos querem ver a farmácia. É uma loucura." Está, manifestamente, orgulhosíssimo.

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