Exposição do surrealismo provoca polémica

Com a presença do pintor e poeta Mário Cesariny, e com muita polémica à mistura, foi inaugurada no passado domingo, na Fundação Cupertino de Miranda (FCM), em V. N. Famalicão, a mostra "Do Surrealismo em Portugal", uma versão revista e aumentada da exposição "Surrealismo em Portugal 1934-1952", que esteve patente no Museu do Chiado (MC), em Lisboa, até ao passado dia 23 de Setembro, após ter passado pelo MEIAC [Museu Estremenho e Ibero Americano de Arte Contemporânea] . O que estava previsto era uma simples itinerância da exposição do Chiado, comissariada por Maria de Jesus Ávila e Perfecto E. Cuadrado. Mas uma série de peripécias - desde a recusa de Cesariny em que as suas obras coabitassem com as do alegado "fascista" António Pedro, até desentendimentos vários entre Maria Jesus Ávila e o director artístico da FCM, Bernardo Pinto de Almeida - levaram a que a fundação famalicense decidisse promover a sua própria mostra, comissariada apenas por Perfecto Cuadrado. Em causa está não só o alegado "progressivo afastamento do Museu do Chiado (MC), que se saldou pela não comparência de uma das comissárias da mostra, Maria de Jesus Ávila, funcionária daquele Museu lisboeta, apesar do acordo quanto à sua presença estar há muito formalmente garantido" - como se faz notar numa nota lida à imprensa por Bernardo Pinto de Almeida -, mas também a inclusão de obras de António Pedro, artista que Cesariny considera ter sido fascista até 1944 (ver caixa). Jesus Ávila responde à letra, afirmando que Cesariny é quem tem uma "atitude fascista" ao condicionar a sua presença na exposição à retirada dos trabalhos realizados por António Pedro antes deste advogar a causa dos Aliados. Pinto de Almeida diz que, a quatro dias da sua inauguração, a mostra foi deixada à responsabilidade da FCM. "A exposição que hoje vos apresentamos, reorganizada pelo nosso amigo e colaborador e também seu comissário desde o início, Perfecto Cuadrado, não será pois a mesma que se viu no MEIAC, em Badajoz, nem no Chiado". O director artístico da FCM acrescenta que "ela aparece reorganizada por nova montagem e pela presença possível de outras obras, também da nossa colecção ou de amigos próximos, que eliminam o que julgámos injustas exclusões de nomes e obras fundamentais do Surrealismo em Portugal". E conclui: "Esta é, pois, a 'nossa' exposição, a possível, com os meios de que dispunhamos, face a uma situação de surpresa que nada fizemos para desencadear".Maria de Jesus Ávila replica que a FCM "confunde a produção de uma exposição e o seu comissariado" e diz que o modo como a FCM lidou com o processo foi "o caos absoluto". A responsável pela área plástica da exposição - Perfecto Cuadrado organizou o núcleo literário - sublinha que no passado dia 29 de Outubro enviou, a pedido de Pinto de Almeida, uma carta à FCM onde reforçava a sua disponibilidade para acompanhar a montagem da mostra, fazendo também notar que o preço por esse serviço era de 300 contos, uma verba que, segundo a curadora, o director artístico não podia garantir sem o aval da administração. "Não obtive notícias até quarta-feira - dia em que já deveria estar em Famalicão -, quando foi enviada uma resposta não a mim, mas a Pedro Lapa [director do MC]", afirma a comissária, que garante ter estado sempre contactável. "Houve falta de respeito pelo meu trabalho e decidi não ir ". Recorde-se que a exposição "Surrealismo em Portugal1934-1952" foi co-produzida pelo MEIAC e pelo MC, a partir de um trabalho de pesquisa de Maria de Jesus Ávila. Esta afirma ter sempre contado com uma atitude colaborante de Cesariny e Cruzeiro Seixas, entre outros artistas, e garante que "se tivesse estado em Famalicão, nunca teria permitido que se mudasse o conteúdo da mostra"."Qual é o direito que acolhe à fundação e a Bernardo Pinto de Almeida de alterar o conteúdo de uma exposição?", interroga a comissária, frisando que o problema "não passa apenas pelo atropelamento da noção de autoria, algo gravíssimo em si, mas também pelo facto de esta ser uma outra exposição". Relativamente à versão apresentada no MC, a mostra patente na FCM propõe efectivamente uma outra visão do surrealismo em Portugal, saindo dos limites cronológicos da mostra original e incluindo quer trabalhos de artistas considerados antecessores do movimento, como Júlio e Mário Eloy, quer de autores que de alguma forma terão ido beber aos ensinamentos surrealistas: Paula Rego, António Areal, Ana Hatherly, António Quadros, Mário Botas, Raul Perez e Gonçalo Duarte.Pinto de Almeida assume as escolhas de Perfecto E. Cuadrado como suas, referindo-se a esta atitude como uma "posição ética" que cumpre a vontade do surrealismo de "permanecer vivo enquanto utopia". O director artístico da instituição famalicense não recusa a polémica, considerando-a mesmo "saudável e útil, até porque o surrealismo nunca fugiu ao combate". O também responsável pelo Centro de Estudos do Surrealismo considera "completamente arbitrária" a datação da mostra do Chiado, que entende como uma "tentativa obscurantista de encerrar o surrealismo português num espartilho que o diminui e restringe na sua acção".Por seu lado, Pedro Lapa, director do Museu do Chiado, designa como "calúnia" o facto de se afirmar que a presença de Jesus Ávila em Famalicão estava há muito formalmente garantida. "Não houve formalização nenhuma da presença dos comissários na FCM". Na opinião de Maria de Jesus Ávila, "se Bernardo Pinto de Almeida queria outra exposição, então a FCM devia ter documentado, investigado e produzido a sua mostra". Defendendo que "há um rigor histórico que teria de ser salvaguardado", desabafa: "Isto não acontece em parte nenhuma do mundo".

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