A inauguração do Palácio da Justiça

Completam-se hoje precisamente quarenta anos sobre a data da inauguração do Palácio da Justiça, a última grande obra da arquitectura característica do Estado Novo que foi construída no Porto, uma cidade onde, no entanto, este estilo arquitectónico não registou um número muito significativo de exemplos.Inaugurado com toda a solenidade pelo então presidente da República, Américo Tomás, que se fez acompanhar de uma numerosa comitiva ministerial, para além das obrigatórias personalidades civis e militares, a construção do edifício do Palácio da Justiça importou numa verba da ordem dos cinquenta e nove mil contos. Em virtude do infindável séquito de altas individualidades que então rumou à Cidade Invicta, foi necessário adoptar medidas excepcionais, nomeadamente a promulgação de uma postura municipal de trânsito que, entre outras determinações, impunha que as viaturas encontradas nas artérias por onde iria circular o chefe do Estado seriam rebocadas pela polícia e os seus proprietários obrigados ao pagamento da respectiva deslocação, não tendo sequer a possibilidade de reclamarem de danos ou prejuízos que as mesmas eventualmente sofressem.O Palácio da Justiça do Porto, construído no local onde até então existiu o antigo mercado de peixe da Cordoaria - na altura bastante degradado e já sem grande operacionalidade comercial -, foi projectado pelo arquitecto Raul Rodrigues Lima (1909-1979), autor de inúmeros outros edifícios oficiais, nomeadamente instalações prisionais, mas também de obras tão emblemáticas como o cinema Monumental, em Lisboa, tendo os trabalhos de construção sido da responsabilidade do engenheiro Pedreira de Almeida. Após a inauguração do edifício, os dois técnicos foram agraciados com a comenda da Ordem Militar de Cristo.Para além dos aspectos arquitectónicos mais conhecidos da enorme mole granítica que forma o Palácio da Justiça - nomeadamente o monumental peristilo de dez pilares de grande altura, apoiados na ampla escadaria que dá acesso ao átrio central do edifício, assim como a gigantesca e inexpressiva estátua da "Justiça", da autoria de Simões de Almeida, aí existente -, a sala de audiências do tribunal constitui provavelmente um dos seus espaços interiores que maior interesse apresenta. De grandes dimensões, dispondo de um fundo de mármore, com altas colunas revestidas a mármore preto da Escandinávia, em forma de semicírculo, relembrando as absides das antigas igrejas românicas, apresenta dois grandiosos painéis a fresco, da autoria do pintor Jaime Martins Barata, representando o "Casamento de D. João I na Cidade do Porto" e "A expedição a Ceuta organizada na cidade do Porto", elementos decorativos muito de acordo com o espírito nacionalista que a arquitectura do regime procurava exaltar.O Palácio da Justiça foi também decorado com um variado conjunto de estátuas, baixos-relevos, pinturas a fresco e tapeçarias, de pintores e escultores nacionais, que preenchem os inúmeros átrios e salas de audiências, e cujo número ronda as cinco dezenas de obras de arte. Para a selecção dos respectivos autores foi nomeada uma comissão constituída por Luís de Pina, Artur de Magalhães Basto, António Cruz, J. A. Pinto Ferreira e Simeão Pinto de Mesquita.Não obstante a preocupação então manifestada de salientar que, na construção do edifício, tinham sido utilizados, tanto nos interiores como nos exteriores, materiais nacionais, nomeadamente do Norte do país, os autores utilizaram também materiais importados - como os referidos mármores da Escandinávia -, o que foi então criticado com o argumento de que as pedreiras do Vimioso, no Nordeste transmontano, poderiam ter sido utilizadas para fornecer aqueles materiais.Na sessão pública de inauguração, para além dos discursos proferidos pelas diversas personalidades do regime, fez-se também ouvir a voz de António Macedo, então presidente do conselho distrital da Ordem dos Advogados, que não perdeu a oportunidade de sublinhar a "independência da advocacia como necessária à dignidade da função judicial", considerando que a liberdade de expressão e de acção que o advogado reivindicava "era a adequada ferramenta do seu ofício para afastar do seu caminho a ilegalidade e a arbitrariedade".

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