O funicular a água mais antigo do mundo

Ironicamente, um dos trunfos mais fortes para que o Bom Jesus do Monte, em Braga, possa vir a ostentar o galardão de Património Mundial da Humanidade não é de cariz religioso, mas sim de engenharia. Trata-se do velho funicular, quase a perfazer 120 anos - sem registar qualquer acidente - que é o mais antigo elevador do mundo movido a água ainda em pleno funcionamento. A delegação de Braga da Ordem dos Engenheiros quer ver esta obra reconhecida como de "interesse mundial" e, por isso, promove hoje um simpósio internacional sobre o tema, ao mesmo tempo que lança uma monografia com a história possível de um elevador que já transportou mais de 10 milhões de pessoas. "Em Braga toda a gente conhece o elevador do Bom Jesus, mas ninguém sabe nada sobre ele", afirma o professor da Universidade do Minho José Manuel Lopes Cordeiro, habitual colaborador do PÚBLICO e um dos autores do livro (em conjunto com o responsável técnico pelo funicular, Fernando Mendes, e o consultor de engenharia, António Vasconcelos). A dificuldade em encontrar fontes de informação e pesquisa foi o maior problema com que depararam os investigadores. Ainda assim, conseguiram verter para os 1500 exemplares do livro alguns dados históricos, compilados apenas até 1978, o ano em que a Confraria do Bom Jesus assumiu a gestão desta estrutura."Plano inclinado Gomes". Não, não tem nada a ver com qualquer eventual derrapagem nas sondagens autárquicas do ex-ministro Fernando Gomes. Este foi tão-só um dos títulos que a imprensa da época escolheu para vincar quão acentuado era (e é) o desnível que as duas cabinas percorrem entre o chamado Pórtico (no início dos escadórios) e o miolo da estância. Para a época, foi de facto um arrojo construir este funicular (é o termo técnico adequado, ainda que seja inevitavelmente conhecido como elevador). Um arrojo só comparável aos 30 contos (!) que custou ao empresário bracarense que o pagou, chamado Manuel Joaquim Gomes. Daí o "plano inclinado Gomes" e o cepticismo que este título indiciava nas entrelinhas.Mas o sucesso foi imediato e estrondoso. Até Março de 1882, 10 mil pessoas subiam anualmente o escadório, um número que disparou para quase 80 mil até ao fim desse ano. Resultado: as caixas das esmolas no Bom Jesus "engordaram" de 2500 réis para 4 mil... Claro que os tempos mudaram - hoje quase toda a gente vai de automóvel, a expansão urbanística da cidade já ameaça "cercar" parte dos quase 300 metros de percurso -, mas o funicular está na mesma (o que só o valoriza em termos patrimoniais). Por exemplo: os condutores de cada cabina continuam a usar um sistema sonoro (uma campainha), que serve de código para saber quantos passageiros transporta a outra; os bancos continuam a ser de madeira, o cabo de aço só foi substituído uma vez (em 1956) e está de perfeita saúde e as duas carruagens continuam a ser movidas apenas a água fornecida pela mãe-natureza (e que depois é aproveitada para a rega dos campos mais próximos). Actualmente, é o elevador mais antigo do mundo a utilizar o sistema de contrapeso de água (só há mais seis do mesmo tipo, quatro na Grã-Bretanha, um na Alemanha e outro na Suíça). Com este sistema, cada viagem pode "custar" perto de seis mil (!) litros de água (caso a cabina inferior esteja cheia de passageiros) ou nem sequer gastar uma pinga de água (se a carruagem estiver vazia, pois basta a força da gravidade para mover todo o mecanismo).Esta simples e genial maravilha precisa, contudo, de alguma manutenção regular, para que continue a manter os elevados padrões de segurança. Para além de algumas reparações cirúrgicas - como vai suceder durante o mês de Novembro, obrigando à imobilização do funicular -, em que são substituídas peças feitas à medida, pois não existem à venda no mercado, será preciso efectuar, posteriormente, obras de recuperação mais profundas, que vão custar mais de cem mil contos.

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