Who are you, William Klein?

Em meados dos anos 50, William Klein revolucionou a fotografia de rua com o livro "Life is Good & Good for You in New York". Em 1966 provocou polémica com o documentário "Who Are You, Polly Magoo?". Após 14 anos sem realizar nenhum filme, regressou, mais controverso do que nunca, com "Le Messie", desvairada sinfonia de imagens concebida para a oratória de Händel. É a figura de destaque do ciclo "Como Salvar o Capitalismo", no Festival Odisseia nas Imagens IV, do Porto 2001.

Pintor, fotógrafo, cineasta, William Klein, nascido em Nova Iorque em 1928 e há muito radicado em Paris, é um dos artistas contemporâneos mais difíceis de classificar. Referência incontornável da fotografia de moda, é também autor de um subversivo álbum fotográfico sobre Nova Iorque, que escandalizou a América dos anos 50 e que teve de ser publicado em França. Como documentarista, tanto filmou os novos estilistas franceses e as suas top-models, como o líder dos Panteras Negras, Eldridge Cleaver. Em 1999, depois de 14 anos afastado do cinema, regressou com uma alucinada visão do "Messias" de Händel, onde coexistem o génio que muitos lhe reconhecem com o gosto por vezes duvidoso que outros tantos lhe atribuem. Klein é o convidado de honra do ciclo "Como Salvar o Capitalismo?", do Festival Odisseia nas Imagens, cujo quarto e último módulo arranca amanhã com uma actuação do DJ Spooky inspirada no filme "Nascimento de uma Nação", de David W. Griffith (no Media Lounge/Espaço Odisseia). A partir do próximo domingo, e até dia 27, serão exibidos 11 filmes de William Klein - alguns dos quais no âmbito de uma "masterclass" que o cineasta orientará na Casa das Artes - e inauguradas três exposições da sua vasta e diversificada obra fotográfica: "Mode In & Out", "Irónico e Devorador" e "Painted on Contacts". Esta última resulta da participação de Klein na série "Contacts", um programa de televisão (actualmente a ser exibido no canal História) que exibe provas de contacto de vários fotógrafos, seleccionados e comentados pelos próprios. Klein imprimiu em grande formato as imagens que escolheu e, em seguida, pintou-as. O filme escolhido para abrir esta retrospectiva de Klein - a exibir na Casa das Artes, com excepção de "Le Messie", que poderá ser visto no Grande Auditório do Rivoli - foi "The Little Richard Story", realizado em 1980, quando o cantor se encontra numa fase especialmente crítica da sua carreira, a ponto de se ter empregado a vender Bíblias. A dada altura, Richard ouve a voz de Deus, que lhe diz que está a ser intrujado pelos editores. E desaparece. O que deixa Klein sem protagonista, quando ainda não tinha filmado grande coisa. O modo como o cineasta resolve este pequeno óbice dá a medida do seu humor e da sua capacidade de improviso: promove (e filma) um concurso de imitadores de Little Richard. Esta sua atracção pelos imitadores também se revela numa das cenas de "Muhammad Ali the Greatest" (1974), onde Klein pede a um grupo de miúdos negros que mimem o "boxeur". Este é, provavelmente, o mais notável dos documentários de Klein. Começa em 1964, quando o então Cassius Clay, que logo depois assumirá o seu nome muçulmano, conquista o título de campeão do mundo num combate contra Sonny Liston. Entre a assistência encontra-se Malcolm X. Klein começa o filme com a apresentação dos capitalistas brancos que financiaram o início da carreira de Clay. Cada um mais sinistro do que o outro. Um deles não hesita em criticar a "ingratidão" do "boxeur", recordando que o bisavô de Clay fora escravo da sua família, da qual herdou o apelido. O filme de Klein não esconde a arrogância quase insuportável de Muhammad Ali, mas também não oculta o fascínio pelo empenhamento político do atleta, cuja recusa intransigente em combater no Vietname o leva a comprometer a sua carreira, tendo mesmo sido proibido de praticar boxe durante vários anos. A oposição do próprio Klein à guerra do Vietnam revela-se em filmes como "Mr. Freedom" (1968) ou no episódio que realizou para a obra colectiva "Far from Vietnam". Quer em "Muhammad Ali", quer, em certa medida, em "The Little Richard Story" está presente o tema da luta dos negros nos E.U.A., que Klein já tratara em 1970, no documentário que realizou com Eldridge Cleaver, líder dos Panteras Negras, então perseguido pelo FBI e refugiado na Argélia. Resistências. A crítica americana, como seria de esperar, não apreciou estes filmes, como não apreciaria a sua violenta sátira à indústria do cinema e respectivas celebridades em "Hollywood California: A Looser's Opera". Mas em França, onde há muito reside, também tem enfrentado resistências. Quando filmou "Who Are You, Polly Magoo" (na foto), em 1966, a revista Vogue, para a qual trabalhava há muitos anos como fotógrafo, não gostou do seu olhar irónico sobre o universo das top-models e despediu-o. Voltou ao tema com "Mode en France" (1985), e os estilistas franceses não ficaram mais satisfeitos.A carreira de Klein enquanto cineasta, agora retomada com "Le Messie", iniciou-se em1958 com "Broadway By Light", pequeno filme de 14 minutos, absolutamente inovador para a época. Recorrendo a uma montagem vertiginosa, Klein retrata Nova Iorque através dos seus reclames luminosos. O filme passou despercebido, mas Orson Welles estava atento e considerou tratar-se do "único filme no qual a cor é absolutamente necessária".

Sugerir correcção