O ABC DOS PULP

Chamaram a Jarvis Cocker "o Scott Walker dos anos 80". Agora Jarvis encontrou o talentoso obscurantista que é Scott Walker, himself, produtor de "We Love Life". Surpreendentemente, desse encontro resultou um disco que, pela primeira vez na história do grupo, parece ter sido feito por pessoas. Não são canções de elitistas sobre gentes vulgares; desta vez parecem mesmo canções feitas pelo povo. Os Pulp, afinal, são mortais.

A Internet, já se sabe, invadiu os nossos dias. Serve para quase tudo: para assistir a espectáculos de pornografia, sacar músicas em MP3, enviar mensagens, estar na converseta, jogar às cartas... sabe-se lá que mais. Mesmo que a qualidade da informação seja, muitas vezes, abaixo de cão, é tomada como fonte segura pelas mais variadas entidades. Mas nem só de misérias vive a Internet. Desde os seus primórdios, ou seja, ainda um pouco antes de ter aparecido o Netpac, que foi instituído um modelo de informação, com vantagens pedagógicas óbvias, a que se decidiu chamar de FAQ - Frequently Asked Questions. Os FAQ são questionários que servem para lançar luz sobre as questões mais prementes em volta de um assunto. Não é um Tudo O Que Você Queria Saber Sobre Qualquer Coisa Mas Tinha Vergonha de Perguntar ou um Grande Berbicacho Explicado Às Criancinhas, mas um Você Até Já Ouviu Falar Disto E Agora Quer Humilhar Os Seus Parceiros de Café Com A Sua Vasta Sabedoria. Os Pulp, é quase certo, foram formados de propósito para aparecerem em FAQ e questionários do género publicados em páginas de fãs. Mesmo que Jarvis Cocker - já explicamos quem é este tipo - não o admitir em entrevistas para a imprensa em formato papel, é notório que a designação da banda assenta num jogo de anacronismos entre as publicações pulp (essas sim, dignas de um culto exacerbado) e a qualidade da informação na Net. Daí só existir uma fórmula adequada para se escrever sobre os Pulp. Adivinharam, um FAQ: não vale Fugir Às Questões propriamente ditas.São uma das bandas mais aclamadas de Inglaterra. Não admira que assim seja, até porque foram formados em Sheffield, no Norte de Inglaterra, em 1979, o que lhes dá um coeficiente "tipicamente britânico" elevadíssimo. O certo é que, mal a rapaziada ganhou uns cobres, já na década de 90, veio viver para Londres. Sempre é outra coisa. O primeiro nome que escolheram era Arabacus Pulp, mas rapidamente se ficaram por Pulp. E não foi só o nome que mudou. Os arqueólogos mais distintos do fenómeno já identificaram 24 alterações na formação da banda que, diga-se de passagem, gravou sete álbuns de originais até à data. No entanto, mantiveram-se marginais até que em 1995 gravaram uma canção chamada "Common People" que levou a uma identificação generalizada por parte das massas. Há quem diga que o contacto com a sua música altera a vida das pessoas, mas fontes com maiores habilitações preferem dizer que eles são uma daquelas bandas surgidas nos anos 70 por via de uma adoração extrema de David Bowie, mais precisamente da sua fase berlinesca.Os Pulp são hoje formados por Jarvis Cocker, que é o autor das letras, vocalista e o único membro da formação orginal, Steve Mackey (baixista), Candida Doyle (teclados), Nick Banks (bateria) e Mark Weber (guitarra). Jarvis fez 38 anos há um mês e é um calmeirão do caraças. Como já se percebeu, é do signo Virgem, e está nos Pulp desde os 15 anos. É a alma do grupo. Candida Doyle também é Virgem mas ainda só está nos Pulp desde 1984. Aprecia teclados com sabor vintage, como os Korg e Moog, e tem olhos azuis. Mark Webber só está nos Pulp desde Maio de 1995. David Banks, casado, 36 anos, é um dos mais resistentes da família, pois acompanha a banda desde 1984. Steve Mackey é Escorpião, tem 34 anos e já está com os Pulp desde 1989. Enfim, uns maduros estes rapazes, que reclamam quase todos o gosto pelas Belas Artes, tendo alguns frequentado as mais distintas escolas do género. Mas não é assim com todas as bandas inglesas?Os Pulp já fizeram alguma coisa de jeito, quer dizer, que se saiba?Bem, "Common People" e "Disco 2000" são, até à data, as suas canções mais conhecidas e qualquer melómano pop mais atento tem sempre, pelo menos, uma opinião sobre os Pulp. Se bem que sejam bastante populares na Grã-Bretanha, o culto da personalidade de Jarvis Cocker é menor na Europa continental. Apesar de agora viverem uma vida pacata, que aliás exaltam no último álbum, os Pulp, mais precisamente Jarvis Cocker, são (eram?) mestres em chamar as atenções sobre si mesmo. Correram mundo as imagens registadas durante uma cerimónia de atribuição de prémios, em 1996, em que o vocalista dos Pulp se atirou a Michael Jackson acusando-o, não de ser comunista, mas de comer criancinhas ao pequeno almoço. Os destinos de ambos voltaram a encontrar-se quando escolheram o dia 8 de Outubro para lançarem o primeiro single dos seus novos álbuns.Michael Jackson foi uma das figuras escolhidas para abrilhantar a cerimónia dos Prémios Brit de 1996. A acusação de pedofilia de que tinha sido alvo ainda estava fresca, pelo que a sua participação foi entendida como uma forma de limpar a imagem. Quando Michael já estava a actuar, Jarvis abandonou a mesa em que estava sentado e subiu ao palco, partilhando-o com Michael por momentos. Durante esses instantes, Cocker meneou-se ao som de "Earthsong", o tema que Michael estava a cantar. O pandemónio então gerado pelas forças de segurança fez com que três crianças que acompanhavam Michael Jackson em palco saíssem feridas da contenda, o que obrigou Cocker a passar umas horas na prisão.Os álbuns deles valem a pena, ou são só mais uma banda de singles?Os Pulp editaram, em 1995, o álbum "Different Class", aquele que os arrancou das profundezas da marginália para o estrelato. Contudo, as insistentes alterações na formação da banda levaram também a radicais mudanças na sonoridade praticada. No início eram mais disco-sound e tenebrosos do que pop-rock ou brit-pop, ainda que não deixassem de perseguir uma estética deslocada relativamente aos seus contemporâneos. É esse o encanto dos Pulp: são sempre diferentes, mas com classe. O álbum de estreia chamava-se "It" e desde então editaram "Freaks", "Separations", "His 'n' Hers", "Different Class", "This Is Hardcore" e "We Love Life". Os discos estão todos em catálogo se bem que haja notícia da sua indisponibilidade nos escaparates dos hipermercados Pão de Açúcar. Os primeiros álbuns são apontados pelos próprios fãs como estranhos, sendo necessárias audições contínuas até que se apreenda a mensagem. Mas, garantem, são discos que crescem. Fica por sua conta e risco.Não há por aí uma colectânea jeitosa que poupe tempo e, já agora, dinheiro?R: Então não há!. Os Pulp são capazes de ter na sua discografia mais colectâneas do que álbuns de originais, pelo que as escolhas são várias. A culpa, dizem, é da antiga editora, a Fire Records, que possui os direitos das gravações anteriores a 1992 e anda por aí a licenciá-las ao desbarato. As mais bem conseguidas são "Countdown 1992-1983" e "Masters of the Universe" (compilação de singles), mas também se encontram canções compiladas em obras como "Intro", "Freshly Squeezed", "Pulp Goes to the Disco", "Primal" e "Pulp On Fire". A caixa "Pulped" é bastante mais completa pois inclui os álbuns "It", "Masters of the Universe", "Freaks" e "Separations", por atacado.Será que os Pulp ainda não caíram na tentação do álbum ao vivo?Olhe que não. Apesar de uma longa discografia, os Pulp ainda não editaram o famigerado álbum ao vivo, se bem que já estejam à disposição os mini-álbuns "Live at Glastonbury" e "This Is Glastonbury". Ambos documentam a prestação da banda na edição de 1998 daquele conhecido festival. A única diferença é que um acompanhou uma edição japonesa de "This Is Hardcore" e o outro esteve disponível somente por encomenda postal.Já, sim senhor. Actuaram pela primeira e única vez em Portugal no dia 1 de Julho de 1998, integrados no Festival Imperial, no Porto, no Campo de Treinos do Estádio das Antas. A banda ainda estava a saborear os efeitos do êxito comercial de "Different Class" e "This Is Hardcore", pelo que foi recebida por uma multidão de fãs que sabiam as letras das canções de cor e salteado.Qual a loja em que Jarvis Cocker compra aquelas camisolas de gola alta?Jarvis Cocker tem afirmado o seu amor pelas lojas de segunda mão como poucos. É pois natural que tenha adquirido algumas das suas vestes em mercados do género, muito populares nos nossos dias, se bem que feiras como as de Camden estejam fora de questão. Ultimamente, veio a público denunciar a pouca vergonha que vai no mercado de segunda mão (hoje diz-se vintage), pois os lojistas passaram a arrumar as roupas segundo a cor. Um ultraje!P: Onde é que os Pulp estavam quando dos atentados ao World Trade Center?A: Como bons filhos da classe operária, estavam a trabalhar. Isto é, estavam a ensaiar as canções do seu novo álbum quando os aviões desviados embateram nas torres gémeas. A banda subiu então ao piso mais alto do edifício e apreciou, mais uma vez, a beleza da paisagem urbana londrina. Estava tudo na mesma e foi nesse exacto momento que decidiram chamar "We Love Life" ao seu derradeiro disco.

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