Novo centro cultural de Sintra inaugurado sem agenda

O primeiro-ministro inaugura hoje o Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra. Mas o novo espaço pouca programação tem para oferecer nos próximos tempos. A principal vocação do equipamento poderá passar pela realização de congressos - o que, a concretizar-se, violará um acordo firmado com o Ministério da Cultura.A atribulada recuperação do antigo cine-teatro Carlos Manuel está a chegar ao fim. O imóvel, projectado na década de 40 pelo arquitecto Norte Júnior, foi durante muitos anos o único cinema de Sintra. Em 1985 as chamas devoraram palco, bastidores, fosso de orquestra e plateia. Dois anos depois, o município adquiriu a sala de espectáculos, com vista à sua recuperação.Em 1994 a autarquia lançou a obra do que então se previa vir a chamar Teatro D. Fernando, com projecto de João Andrade e Sousa. As obras estavam estimadas em pouco mais de um milhão de contos e deveriam ficar prontas em 1996. Mas os trabalhos arrastaram-se. Nesse ano viria a falecer Olga Maria Nicolis di Robilant Pereira de Melo, marquesa de Cadaval. A câmara resolveu então homenagear a mecenas do Festival de Música de Sintra, atribuindo ao novo teatro o seu nome.O processo conheceu novas dificuldades em 2001, com a empreitada para a montagem e equipamento das instalações cénicas. O Tribunal de Contas recusou visar a adjudicação da empreitada por o seu valor ser superior - em mais de 250 mil contos - ao preço-base do concurso. A proposta escolhida orçava em 868 mil contos (sem IVA), enquanto o montante indicado no concurso era de 612 mil contos (mais IVA).A presidente da câmara, Edite Estrela, resolveu contornar a decisão do Tribunal de Contas, que obrigaria a lançar novo concurso, entregando a empreitada à Sintra Quorum, empresa municipal criada para a gestão de equipamentos culturais e turísticos, pela sua natureza dispensada do controle prévio daquele organismo. Nesse sentido, o executivo camarário aprovou, em Maio deste ano, um contrato-programa com a Sintra-Quorum para a aquisição do equipamento cénico até ao montante de 4.547 mil euros (911.752 contos). Em Junho foram aprovados novos contratos-programa no valor total de 403,5 mil euros (cerca de 81 mil contos), para fiscalização do fornecimento dos equipamentos, gestão técnica e manutenção de instalações. Em decoração de interiores foram gastos 363,2 mil euros (perto de 73 mil contos).Neste momento, está praticamente equipado o pequeno auditório (e cinema), de 300 lugares, alvo de uma primeira inauguração em Maio, com a Festa da Língua. A sala maior, com mil cadeiras um tanto acanhadas para espectadores mais avantajados, encontra-se ainda por equipar. Até isso acontecer não poderá receber os prometidos espectáculos de teatro, dança ou ópera. Na cerimónia de inauguração terá ali lugar um recital de piano pelo pianista russo Naum Shtarkman. Para segunda-feira está marcado um espectáculo de música popular portuguesa destinado a idosos. No dia seguinte abre, no pequeno auditório, o Encontro Internacional Vergílio Ferreira.Onde está a restante programação? De acordo com várias fontes contactadas pelo PÚBLICO, "não há". "O espaço vai abrir para a festa da inauguração e pouco mais. Vai ser um autêntico 'show off'", adianta uma delas, acrescentando que a palavra de ordem é poupar nos gastos com espectáculos e alugar o espaço para congressos. Aliás, um boletim municipal de 1997 apresentava o velho teatro como centro de congressos. Só que, em Abril de 1999, Edite Estrela assinou um contrato-programa para a recuperação e equipamento do antigo cine-teatro serem incluídos no programa Rede Municipal de Espaços Culturais. A autarquia comprometeu-se a concluir os trabalhos até final de 2001, mediante uma comparticipação máxima de 150 mil contos do Ministério do Equipamento e de 100 mil do Ministério da Cultura.A câmara, por seu turno, assumiu o compromisso de "assegurar os meios, nomeadamente em equipamento, e as formas para garantir a actividade regular". Para tanto, terá que constituir "uma equipa técnica especializada com um mínimo de três elementos: um gestor/programador, um director técnico e um director de produção/acolhimento de espectáculos". Esta equipa, a formar até à conclusão das obras, poderia ser complementada com um operador de luminotecnia e outro de sonoplastia. O incumprimento do objecto e do prazo do acordo "constitui motivo suficiente para a sua resolução", com a consequente restituição de verbas."Tudo isto foi muito condicionado pelo Tribunal de Contas. A partir do momento em que o processo se foi arrastando, seria leviano criarmos encargos e fazer uma programação que poderíamos não levar a cabo", explica Edite Estrela, acrescentando que o espaço "ainda não tem director de programação", mas que a equipa técnica será criada assim que o equipamento cénico estiver todo montado - o que espera que venha a acontecer "no principio do próximo ano". No entanto, sublinha que os técnicos da câmara e os dois directores artísticos do Festival de Sintra "têm estado a ajudar" na preparação do espaço.Edite Estrela confirma que o local "não é apenas para ter programação cultural" e que ambas as salas se destinam a ser alugadas para congressos e seminários, o que considera não ser incompatível com os compromissos assumidos com o Ministério da Cultura. Admite que o espaço venha a ser usado "para um festival de bandas" e que "por ali passem todos os artistas do concelho", bem como a Orquestra Metropolitana de Lisboa, no âmbito do protocolo firmado com o município.Quanto ao peso que terão na programação a cultura e os congressos, afirma que esse "será um problema de gestão" e defende que "deve haver as duas coisas", por forma a viabilizar a manutenção do espaço, cujo investimento total de recuperação ascende a 2,1 milhões de contos.

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