Morreu Sena da Silva, uma voz do "design" em português

O designer António Sena da Silva, uma das personalidades mais marcantes na afirmação do design português, morreu ontem em Lisboa aos 75 anos.Sena da Silva era um homem cortês e de grande acutilância de opinião, sobretudo em todas as questões que se prendiam com o design, quer esse fosse português ou estrangeiro. A aliar ao seu profundo conhecimento sobre a história e estado actual do design, havia ainda o notável papel que o próprio Sena da Silva desenvolvera na sua práxis de designer, um dos mais acertados entre nós eclodidos.Fenómeno tardio em Portugal, o design contemporâneo manifestou-se em 1951, nos trabalhos desenvolvidos pelo arquitecto Conceição Silva, quer nas lojas urbanas que riscou para o Chiado lisboeta, como nas linhas de mobiliário que desenhou para a casa Jalco, que então o contratou. Segui-se-lhe a importante actividade do designer Cruz de Carvalho, autor, entre 1955 e o início dos anos 60, das linhas de mobiliário desenhadas para a Altamira, as primeiras dotadas de uma verdadeira identidade. Os esforços isolados destes pioneiros foram depois, no início dos anos 60, prosseguidos por toda uma talentosa geração de designers portugueses, a primeira, de facto, surgida em Portugal e unida por uma consciência programática comum. Entre os nomes fundamentais desta geração contam-se, por exemplo, os de Daciano da Costa, autor de notáveis linhas de mobiliário metálico de trabalho para a Longra, bem como as figuras de António Garcia, Carmo Valente, Maria Helena Matos e, evidentemente, do próprio Sena da Silva.Sena da Silva era arquitecto formado pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL), onde foi discípulo de Frederico George. Professor na Escola António Arroio, na Sociedade Nacional de Belas Artes, na Fundação Ricardo Espírito Santo Silva, no IADE e na própria ESBAL, Sena da Silva aliou à sua notável actividade pedagógica uma prática inédita de designer plurifacetado, da arquitectura ao design de exposições, industrial, gráfico e de equipamento, sem esquecer a decoração (do Hotel Ritz, por exemplo, em 1959), a pintura, ilustração e fotografia, com trabalhos de grande qualidade nestes diversos domínios, revelando-se perfeitamente consciente da vocação globalizante e interdisciplinar que preside ao processo do design. Tendo trabalhado com Frederico George, Sena da Silva considerava que entre 1946 e 1960, em colaboração com António Garcia, desenvolvera a sua "formação de autodidacta em industrial design", ao serviço da empresa Acumuladores Autosil SARL. O design corporativo da empresa foi assim desenvolvido, acrescido de uma intensa actividade de designer prosseguida no seu próprio atelier, do grafismo (logotipo Pilhas Dialux, 1970) aos equipamentos (núcleo sanitário compacto modelo "Pronto a Lavar", 1971).Porém, a partir de 1960, e em colaboração com a sua mulher, a arquitecta, designer e pedagoga Leonor Álvares de Oliveira, Sena da Silva dedicou-se fundamentalmente a projectos de edificação de escolas, tendo em conta "a racionalização e humanização dos lugares e objectos para o ensino". A experiência prosseguiu, desde 1964 e durante duas dezenas de anos, no Projecto Módulo Escolar, "sistema de artefactos simples e de recomendações ergonómicas para apoiar situações de aprendizagem em regiões de clima ameno", com "componentes de edificação muito leves, de montagem ultra-rápida e segura em iniciativas de autoconstrução". Estas características estendiam-se da arquitectura e concepção dos pavilhões, que não passaram de protótipos, ao próprio mobiliário (mesas e cadeiras empilháveis) que podia ser produzido industrialmente em grande série como através do aproveitamento de recursos do artesanato. A racionalidade, equilíbrio e sobriedade destes móveis justificou a sua posterior produção industrial, da cadeira empilhável para escolas CMD-1 (1962-70) à mesa e cadeira para escola primária modelo MMD-3 (1964), sem esquecer o conjunto de mesa-estirador e cadeira modelo ML-1 (1968), produzido pela Longra em 1970, ou a linha de mobiliário essencial (mesa e cadeira empilhável) modelo Paint-it-yourself, em faia, produzida pela Olaio em 1973 e também pela FOC. Nascidos das pesquisas pedagógicas de Sena da Silva, todos estes equipamentos são marcados pela racionalidade, funcionalidade e eficácia, aliadas a uma notável simplicidade construtiva - e a celebrada cadeira Sena é sem dúvida um dos objectos icónicos do design português, fazendo já parte da nossa memória colectiva. Além de toda esta actividade, não podemos esquecer que Sena da Silva foi ainda responsável pela programação e coordenação da notável II Exposição do Design Português, realizada na FIL em 1973, porventura o melhor certame de design nacional até hoje realizado.Rigoroso, sóbrio, comunicativo e reflexivo, Sena da Silva foi uma notável personalidade criadora que deixou uma memória indelével no processo da afirmação, sedimentação e maturidade do design em Portugal, e que muito fez pela qualidade de vida do país. Rui Afonso Santos é historiador do design

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