Cair do Cavalo

O filme, contudo, não é uma paródia deliberada na linha "nonsense" de "Monty Python e o Santo Graal", antes padece de uma espécie de síndrome Baz Luhrmann, o australiano que com os seus dois últimos filmes, "Romeu e Julieta" (versão anos 90, Venice Beach) e "Moulin Rouge" (1900, Paris ao som de "Voulez-vous coucher avec moi?" e "Smells like teen spirit", dos Nirvana), baralhou a cronologia. Da forma mais medonha: não há qualquer sentido de articulação da banda sonora com a acção, a não ser um entendimento de que o torneio medieval é um antepassado do futebol (daí o encontro com "hooligans" franceses num bar de Rouen) e que os hinos jurássicos dos desportos de estádio seriam a escolha natural para animar multidões no século XIV.

Ou para animar os frequentadores adolescentes das salas de cinema do século XXI que, no caso, é o que interessa: a história pode parecer confrangeramente banal (e é) quando reduzida ao patético "leitmotiv" do género "segue-o-teu-sonho", mas tem todos os antídotos necessários para não aborrecer audiências, a saber, défice de ideias, diálogos absurdamente "actualizados" (exasperante a cena em que a princesa pede ao cavaleiro que a chame "fox", suficientemente seguro dos seus irresistíveis dotes de sedutora - já agora, "Foxy lady", de Jimi Hendrix, não soaria mal...), piscadelas de olho à geração MTV (as semelhanças entre o símbolo gravado na armadura do protagonista e o logo da Nike não são pura coincidência) e , claro, a banda sonora de rock FM.

Com argumento, produção e realização de Brian Helgeland - co-argumentista de "L.A. Confidencial", estreou-se na realização com "A Vingança", em 1999, com Mel Gibson -, "Coração de Cavaleiro" segue o percurso de William Thatcher (monolítico Heath Ledger), um filho de camponeses que, na Europa do século XIV, não pode ter sonho maior do que ascender à condição de nobre. A todo o custo, bem entendido, mas não por uma causa de mera hierarquia social: a pretensão de William é provar que existe nobreza de carácter nos homens (em alguns, pelo menos), independentemente das suas origens. Como a participação nos torneios é reservada aos aristocratas da época, o jovem William aproveita a morte súbita do cavaleiro a quem serve para forjar uma identidade e ser admitido nos campeonatos europeus do género - à maneira de um Groucho Marx, que só admite associar-se a clubes que o recusam - e conquistar as atenções de uma princesa pretensiosa.

Há acessos de autenticidade pseudo-histórica (a inclusão da personagem de Geoffrey Chaucer, apresentado como um ridículo pândego e jogador - percebe-se que ser apenas escritor atrasa a acção), mas "Coração de Cavaleiro" nunca se decide entre um filme "rock 'n' roll" ou uma fantasia medieval. Seguro mesmo é dizer-se que é um filme péssimo.

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