Inimigos invisíveis

Divididos entre a incredulidade e o horror assistimos, ontem, ao que julgávamos impossível: o coração da América golpeado por inimigos sem rosto. A analogia com Pearl Harbor foi imediata, em muitas das análises produzidas, sobretudo na própria América. Mas, ao contrário do que sucedeu nessa altura, os assassinos de hoje não têm face. Vieram da própria América, em silêncio, infiltrando-se em voos internos, e conseguiram aquilo que George W. Bush, na sua forma excessivamente esquemática de ver o mundo, contava receber um dia em forma de mísseis ou armas biológicas. Enganou-se Bush e engaram-se os que pensavam como ele, aprovando a fabricação de escudos protectores para que o solo americano não fosse de novo pejado de sangue. Foi, e da forma mais bárbara. Isso prova que os Estados Unidos, se quiserem sobreviver nesta nova era de guerras travadas no campo do mais puro terror, têm não só entender melhor o verdadeiro peso dos conflitos com que lidam (o Médio Oriente em particular) mas aceder à cooperação com outras democracias de modo a restaurar um mínimo de dignidade humana num mundo onde ameaça imperar a barbárie. As imagens de gente feliz, verdadeiramente feliz, ao saber dos atentados que mataram um número ainda incalculável de inocentes em território americano, é disso exemplo. Que nos devia envergonhar a todos e nos devia fazer reflectir sobre o estado miserável a que chegámos. Não se trata já de apoiar facções adversas em guerra aberta, de atacar ou condenar países onde a violência é lei, mas sim de festejar a morte de milhares de inocentes a troco de nada. Apenas de uma ignominiosa ideia de vingança que só nos conduzirá, a todos, ao abismo.
De nada vale à América dizer, como ontem fizeram alguns analistas, que nenhum grupo de terroristas consegue intimidar a maior democracia do mundo. Porque, na guerra que hoje se trava a partir das trevas nenhuma democracia, nem mesmo a americana, está imune ao mais rude dos golpes. Os deploráveis atentados de ontem provam-no em absoluto. Como o prova o proliferar do terrorismo à escala mundial, num renascer dos piores fantasmas do passado, agora com mais ódio e menos piedade. Perda da inocência, dizem? Talvez seja mais do que isso. A verdade é que, como se regista nesta edição em vários textos, o mundo jamais será o mesmo. E nenhum de nós terá razões, no futuro, para se orgulhar disso.
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