Torne-se perito

Morreu o inventor da expressão Big Bang

Não defendia a teoria do Big Bang, pelo contrário. Mas por ironia, o cosmólogo e astrofísico britânico Fred Hoyle ficou conhecido como o inventor desta expressão, ao ridicularizar a teoria que defende que o Universo nasceu de uma grande explosão, há cerca de 15 mil milhões de anos. Para troçar dessa teoria, Fred Hoyle chamou-lhe o Grande Estrondo - Big Bang - num programa de palestras radiofónicas da BBC, que conduziu em 1950. Na segunda-feira, aos 86 anos, Fred Hoyle morreu em Bournemouth, Inglaterra.O cosmólogo não conseguiu recuperar de um acidente vascular cerebral que sofreu no mês passado, disse o astrofísico Geoffrey Burbidge, da Universidade da Califórnia em San Diego (EUA), que colaborou muitas vezes com Fred Hoyle. "Provavelmente, Fred foi a pessoa mais criativa e original a trabalhar em astrofísica depois da II Guerra Mundial", comentou Burbidge ao jornal "The New York Times". Fred Hoyle ficou mais conhecido como um dos autores da teoria do Universo estacionário - uma teoria cosmológica, hoje partilhada por poucos cientistas, que defende que o Universo existe num estado estacionário. "Esta teoria deixou de interessar os cosmólogos há 30 anos. No entanto, esta concepção do Universo continua presente na mente das pessoas comuns, quanto mais não seja como uma teoria rival da do Big Bang", conta John D. Barrow, professor de astronomia da Universidade de Cambridge, desde há cerca de dois anos, no livro "A Origem do Universo" (editora Rocco). A teoria do Universo estacionário foi proposta por Fred Hoyle, Thomas Gold e Hermann Bondi em 1948. Nessa altura, já se sabia que o Universo está em expansão: em 1929, o astrónomo Edwin Hubble descobrira-o, ao observar que a luz das galáxias sofria um desvio para o vermelho no espectro electromagnético. Isso significa que se afastam de nós e, logo, que o Universo continua em crescimento. Mas o que os três autores propuseram foi que o Universo não teve um princípio nem terá um fim. Simplesmente, a matéria está constantemente a ser criada, por isso o Universo em expansão permanece sempre mais ou menos o mesmo. Ao invés, na teoria do Big Bang, o Universo em expansão é associado a um princípio - em que a matéria foi criada - e a uma densidade cada vez menor da matéria à medida que os aglomerados de galáxias se afastam. Portanto, terá um fim. Fred Hoyle defendia que a matéria está permanentemente a ser criada, a um ritmo que anula a diluição associada à expansão do Universo. Assim, o Universo perpetuar-se-ia para sempre.O público não esqueceu a acesa discussão entre os adeptos das duas teorias, lembra John D. Barrow: "A discussão foi realizada num influente programa de palestras da BBC, intitulado 'The Nature of the Universe', apresentado em 1950 por Fred Hoyle." Ali, criou o termo Big Bang, como designação pejorativa do modelo cosmológico em que o Universo se expande num intervalo de tempo finito. Ironia da história: opôs-se ao Big Bang, mas foi ele quem inventou o nome. Mesmo que agora os adeptos do Universo estacionário sejam poucos, os cientistas enaltecem os méritos de Hoyle por ter fomentado o debate e obrigado a que teorias concorrentes fossem testadas em observações. De facto, em 1965, a teoria do Universo estacionário morreu, quando Arno Penzias e Robert Wilson descobriram acidentalmente a radiação de fundo de micro-ondas, um vestígio do Big Bang e de um Universo primordial muito quente e denso.No campo da astrofísica, Fred Hoyle deu um contributo histórico: depois de Hans Bethe e outros cientistas terem mostrado, nos anos 30, como é que as estrelas obtêm energia a partir da fusão dos átomos de hidrogénio e formam hélio, explicou como é que os elementos químicos mais pesados, como o carbono, o azoto ou o oxigénio, se criam dentro das estrelas. A explicação, publicada em 1957 na revista "Reviews of Modern Physics", teve ainda como autores William Fowler, Geoffrey Burbidge e Margaret Burbidge. Por causa deste e de subsequentes trabalhos em astrofísica, William Fowler ganhou o Prémio Nobel da Física. Hoyle e os restantes dois autores ficaram de fora.Nascido em Bingley, Yorkshire, e filho de comerciantes de lã sem grandes posses, Hoyle conseguiu chegar à Universidade de Cambridge. Foi lá que veio a fundar, em 1966, o Instituto de Astronomia Teórica. Antes de Stephen Hawking, Hoyle era o astrofísico britânico mais conhecido. Hoyle perfilhou outra teoria polémica e muito pouco aceite pela comunidade científica: a panspermia, que defende que a vida veio do espaço.Mas foi astrofísico, apenas? Não. Foi também autor de muitos livros científicos e de divulgação científica, a que se junta uma faceta de escritor de ficção científica ("The Black Cloud", de 1957, é um dos mais conhecidos). Entre 1950 e 1990, escreveu quase um livro de ficção por ano.

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