O regresso da estrela anticristo

Marilyn Manson chegou ao Porto na segunda-feira. O local onde está instalado fica no segredo dos deuses. Hoje, o seu destino é o palco instalado na belíssima paisagem da Ilha do Ermal, em Vieira do Minho, naquele que será o terceiro concerto da sua banda em Portugal. A sua presença é uma das mais aguardadas, se bem que as suas bizarras exigências - uma "stripper" careca e sem dentes, uma tábua de queijos malcheirosos e quilos de ursinhos de goma - já tenham dado dores de cabeça à organização. Isto para já não falar da onda de controvérsia que o cantor transporta consigo. Neste preciso momento, Marilyn Manson enfrenta acusações de assédio sexual por ter molestado sexualmente um segurança durante um concerto em Clarkston (Oakland), nos Estados Unidos. A emissão de um mandado de captura pelas autoridades de Michigan fez com que se chegasse a recear o cancelamento do concerto previsto para o último dia do Ermal, mas vão mesmo ser os Marilyn Manson a fechar o derradeiro festival de rock deste Verão. Mas quem é este ser de presença tão perturbadora como fascinante, esta criatura de aparência andrógina que se assume como anticristo? A verdade é que Marilyn Manson é uma invenção relativamente recente, uma personagem criada para dar sentido às frustrações e contradições de um rapaz chamado Brian Warner, nascido há 31 anos em Canton, no Ohio (EUA). Pelo menos é isso que reza a sua autobiografia "The Long Hard Road Out Of Hell" (em tradução livre, "A Longa e Árdua Estrada de Saída do Inferno"), de 1998, onde Manson justifica aquilo que é hoje com os horrores do seu passado. Um autêntico "caso clínico" à americana, em que a actual perversão sexual de Manson, por exemplo, se justifica com o trauma de ter descoberto, ainda na infância, of+b f-bantro de masturbação e depravação sexual que o próprio avô mantinha na cave. Chegou mesmo a frequentar um colégio cristão, mas o fanatismo religioso não jogava com a sua sede de diferença. Seguiu-se a rebeldia, os roubos, as provocações... Criou para si uma nova identidade, destinada a ser o estandarte das suas crenças. O novo nome passava a ser a junção do brilho de Marilyn Monroe e da morbidez de Charles Manson, um dos maiores criminosos dos Estados Unidos. Marilyn Manson nascia como o símbolo da América moderna, mas para a criticar, perturbar e nunca mais deixar em sossego. Daí à formação da banda foi um passo. Falar de Manson é, aliás, não esquecer que a banda com o seu nome funciona como um prolongamento da sua postura ou, melhor ainda, como um megafone das suas ideias. Aliás, Manson chegou mesmo a ser jornalista, mas precisava de mais visibilidade. E o que poderia ser melhor do que uma banda rock de sucesso mundial? Apadrinhados por Trent Aznor, dos Rage Against The Machine, os Marilyn Manson mantiveram-se num circuito alternativo até que, em 1996, deram o salto para o mainstream com o tema "Beautiful People", do álbum "Antichrist Superstar". Cumpria-se assim o objectivo de usar a música e toda a estrutura gigantesca à sua volta para fazer chegar a mensagem ao maior número de pessoas possível. À música ameaçadora, agressiva e hostil, claramente herdeira do Heavy Metal, juntavam-se letras sarcásticas, heréticas e sem papas na língua, que não receiam incitar ao consumo de drogas, à libertinagem sexual, e, enfim, a tudo o que é considerado politicamente incorrecto. Mas, mais do que uma "encarnação do diabo", Manson é a figura do paradoxo. Contradiz-se constantemente. Mas, é claro, tudo dentro de uma lógica. Trevas e luz juntam-se como parte de um mesmo universo que é, para Marilyn Manson, o verdadeiro mundo interior. E eis-nos perante um dos postulados da Igreja de Satã, de que o cantor é reverendo desde 1994: aceitar que cada um de nós tem um lado bom e outro negativo, e que há que deixar fluir ambos com a mesma liberdade, sem reprimir a natureza humana. É este satanismo assumido que tem assustado a América cristã e outros países por onde passa. Aqui e ali, não faltam manifestações contra as actuações da banda, conhecidas pela sua espectacularidade, mas também pelo apelo à violência. Difícil será esquecer, por exemplo, o facto de Marilyn Manson ser tido por muitos americanos como o grande responsável moral pela tragédia de Columbine, há cerca de dois anos, em que dois jovens - alegadamente fãs da banda - entraram no seu liceu e dispararam a matar, tirando a vida a 13 pessoas e suicidando-se em seguida. A carreira de Manson construiu-se desde sempre à base de escândalos e controvérsia. Marilyn Manson parece reger-se pela máxima "falem mal, mas falem de mim", de tal modo que aqueles que se lhe opõem - igreja, organizações e até o governo dos Estados Unidos - acabam por ser, ironicamente, os seus maiores promotores. E não terá sido por acaso que a música dos Marilyn Manson deu origem à inédita etiqueta de "shock-rock". Mas, contas feitas, a verdade é que Marilyn Manson acaba por fazer parte do próprio mundo que critica. As mesmas letras que falam da alienação em que vivemos, da globalização de objectos e ideias ou do consumismo desenfreado, são entoadas em uníssono por milhares de pessoas. Por outro lado, poucos músicos se podem gabar de ter tanta presença em capas de revista como Marilyn Manson. E, por acaso ou não, Manson vive em Hollywood, a tal terra fútil que serve de cenário a "Holy Wood (In the Shadow of the Valley of Death)", o último álbum da banda. Pode parecer paradoxal mas o cantor justifica-se com a necessidade de entrar no sistema para o poder subverter. E se Manson considera que o próprio Jesus Cristo é apenas a mais antiga e popular peça de merchandising, que mais se poderia esperar do Anticristo?

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