Orlando Pantera: foi um cometa

Morreu aos 33 anos, mas em Cabo Verde já era um mito. Há quem fale em Orlando Pantera como a maior descoberta musical da década. Agora em Portugal registos precários das suas músicas passam de mão em mão por aqueles que se descobriram fãs. Há projectos de edições póstumas.

Quando se fala com quem o conheceu várias ideias se repetem. A de que nele as pulsações nasciam da música e batiam ao ritmo de uma criatividade generosa. A de que a naturalidade com que musicava a vida era uma dávida (talvez ele, católico, pensasse que de Deus) a partilhar com os outros.

Assim ficou espalhada a música de Orlando Pantera.
Não gravou nenhum álbum - morreu antes disso - e neste momento a única maneira de ouvir uma obra que todos dizem ser de grande qualidade é copiando-a a partir do material disperso que deixou.
Considerado percursor de um novo estilo na música cabo-verdiana, foi letrista (poeta, diriam alguns), compositor, multinstrumentista e só nos últimos anos de vida é que cantou em público. Musicava os homens e mulheres do campo, o amor e suas desilusões - "sou cabo-verdiano", lembrava. Desenterrou géneros tradicionais da ilha de Santiago esquecidos pelas gerações pós-independência e, sem os reproduzir mas respeitando-os, criou o seu estilo, admirado por consagrados e jovens.
Não gravou nenhum disco, mas o espanto multiplica-se: génio de sensibilidade extrema e força criativa intensa; inovador e autêntico; criador de um mundo poético belíssimo; excelente compositor de canções. Um artista que iria ser uma "revelação", impulsionador de uma música aberta a influências com potencialidades para correr o mundo.
Quando, há algumas semanas, foi exibido no B. Leza, em Lisboa, o documentário "Mais Alma", de Catarina Alves Costa - sobre a situação dos artistas cabo-verdianos, e onde Pantera tem forte presença ao longo de uma hora - o espaço estava a transbordar de gente. Foi exibido segunda vez e voltou a esgotar.
Claro que a euforia - a "mitificação"? - vem do facto de Pantera ter morrido jovem, vítima de pancreatite aguda, a 1 de Março de 2001, no dia em que ia começar a gravar em França o primeiro álbum, "Lapidu na Bô"/ "Colado a Ti". O determinismo fatalista fez ainda notar: desapareceu com a idade de Cristo, 33 anos.
"Tenho a certeza que não vou ver mais nenhum génio como ele. Só há dois ou três num século. Foi um cometa: passou para dar luz. Comparo-o a Jim Morisson. Acho que vai inspirar muitos jovens. A sua maneira de ser, de estar, de viver, a sua gentileza... Era quase patético, o talento dele era tão imenso... Cabo Verde não vai ter um artista assim nos próximos 50 anos. Como Pelé, no futebol, ainda andámos à procura de um...", diz, emocionado, Elísio Lopes, da editora francesa Morabeza Records, onde Pantera iria gravar duas músicas de "Lapidu na Bô", o disco em que apresentaria ao mundo o projecto "Racodja"/ "Recolha", resultado de uma pesquisa dos géneros tradicionais desenvolvida ao longo de mais de 10 anos na ilha de Santiago.
Património. Não há disco, mas circulam registos vários pelos que, de repente, se tornaram fãs. Só que, em breve, Pantera poderá ser ouvido sem ser por portas travessas. A Morabeza Records vai editar um álbum póstumo - sem data marcada; quer fazê-lo "sem pressa, para produzir um disco de qualidade", tal como o tinha pensado o músico -, recolhendo as suas músicas, sobretudo aquelas em que Pantera era protagonista.
Clara Andermatt, com os co-produtores Teatro Nacional São João, Ministério da Cultura e Montepio Geral editará a banda sonora de "Dan Dau", espectáculo da coreógrafa com quem Pantera trabalhou de 1998 a 1999, altura em que viveu em Portugal. Será uma edição limitada de dois mil discos (o objectivo é acompanhar a digressão da coreografia em Setembro), susceptível de aumentar se o mercado o exigir. A coreógrafa dedica o CD à memória de Pantera, que participa em cinco das oito músicas. Entrará no circuito comercial em Novembro.
Mas onde é que está este património musical? Ao que tudo indica, a maioria do material gravado em estúdio está nas mãos do compositor João Lucas, um dos sócios do estúdio lisboeta Luminária, onde Pantera chegou a agendar, para Fevereiro, a gravação de algumas músicas do primeiro disco (nem a mulher de Pantera, Carla Garcia, nem Lucas sabem porque é que desistiu da ideia).
Foi no Luminária que, em 1998, Pantera fez experiências a pensar nesse disco que não finalizaria: cinco músicas a solo, entre as quais "Batuko", incluída no CD de "História da Dúvida" (outro espectáculo de Andermatt), para o qual compôs ainda, com João Lucas, "I am a professional", integrada também em "Dan Dau". Aí gravou ainda cinco músicas para "Pêtu", espectáculo do Raíz de Pólon (grupo ao qual esteve ligado desde 1997).
Existem também compilações com músicas de Pantera: "Verão 2000" e "Filhos do Funaná"; sete composições em discos de outros intérpretes, Mário Rui, Djudja, Grace Évora, Pentagono, Filipe e Tubarões.
Para além disso,