«O termo subsídio-dependência não faz parte do meu discurso político», diz Santos Silva

O novo ministro da Cultura diz que há uma política cultural de esquerda e que é uma obrigação do Estado apoiar os criadores, mas insiste na formação de públicos, a melhor forma de sustentar uma política cultural. Dá o Teatro São João, do Porto, como um exemplo do que pode ser um teatro nacional. Garante que o Museu do Côa vai avançar "na fenda aberta pela barragem".

Foto
«Eu não sou o testamenteiro dos legados anteriores» Daniel Rocha

Afinal a secretária não mudou de sítio, conforme prometera o anterior ministro da Cultura, José Sasportes. Continua a ter, à sua esquerda, um belo quadro de Paula Rego e, à sua direita, as amplas janelas que abrem sobre o pátio do Palácio da Ajuda. Pilhas de dossiers cobrem as diferentes mesas e sente-se que Augusto Santos Silva, o novo ministro, já dá sinais de se mover bem entre eles. E de não temer as muitas perguntas de uma conversa que durou quase três horas. Extractos:

PÚBLICO: Ainda há algum fantasma de Manuel Maria Carrilho a assombrar o ministério?
Augusto Santos Silva

: Não. Não acredito em fantasmas. Agora, o facto é que foi com o ministro Carrilho que se construiu o Ministério da Cultura nesta sua nova encarnação, e essa marca sente-se.

E de José Sasportes, também há uma marca?

Sim, o trabalho desenvolvido pelo ministro Sasportes no último ano foi positivo, do meu ponto de vista, e desse trabalho resultou quer alguma continuidade quer alguma inovação.

Mas houve uma certa ruptura de estilos e de contéudos. Com que conteúdo se identifica mais?

Com o conteúdo do programa do governo e de governação geral, tal como foi definido pela Nova Maioria de 1995.

Que foi concretizado de forma diferente pelos seus dois antecessores. O ministro Sasportes, por exemplo, dizia que, idealmente, a cultura deveria viver sem o apoio do Estado. Isso é o programa da Nova Maioria?

Se essa fosse a concepção, eu diria que não me reveria nela. Da forma como entendo o programa da esquerda democrática na cultura, e o modo como é concretizado pela Nova Maioria, a intervenção do Estado é decisiva. Só que não é uma intervenção directa, faz-se sobre as condições necessárias à intervenção cultural, não como protagonista.

O ministro Carrilho foi-se embora porque e quando quis. O ministro Sasportes foi substituído: o que é que lhe correu mal?

Não me compete fazer análise política...

Mas com certeza que fez um balanço?

Tive de fazer um balanço do que estava consolidado, do que carecia de ser aprofundado e de áreas de reforço. Eu não sou o testamenteiro dos legados anteriores.

Na conferência de imprensa em que apresentou as suas apostas, sublinhou a importância do diálogo com os criadores quanto às regras do apoio do Estado, e anunciou um novo regulamento. Não está a demarcar-se do que foi a polémica central do mandato Sasportes?

O regulamento que saiu em Maio é assumidamente ad-hoc, esgotando-se neste concurso. Portanto, é necessário um novo quadro geral para o financiamento público às artes do espectáculo. Não farei esse regulamento nem a partir unicamente do trabalho interno do Ministério da Cultura, nem como uma oposição pessoal aos interessados. Portanto, procurarei construi-lo através de consulta, de diálogo, de concertação.

Mas por onde é que quer caminhar?

É necessário que o Estado assuma explicitamente que financia os criadores e as estruturas de criação nas artes do espectáculo. O que quer dizer que os termos subsídio-dependência e subsídio-dependentes não fazem parte do meu discurso político. Julgo que é uma responsabilidade indeclinável dos poderes públicos, em termos de política cultural, apoiar activamente, dos pontos de vista legal, técnico, e financeiro, os criadores e as estruturas de criação.

Isso é um contraponto claro em relação a Sasportes, que chegou a afirmar que não sabia o que era uma política cultural de esquerda. Está a afirmar uma política cultural de esquerda?

Claro. Do meu ponto de vista, há uma política cultural de esquerda, que um governo de esquerda deve praticar, isso para mim é óbvio. A primeira orientação fundamental, a partir da qual se desenha tudo o resto, é esse dever do Estado. A segunda, é que o apoio financeiro público deve obedecer a critérios de equidade, transparência e sustentabilidade. Equidade, quer dizer tratar os criadores da forma diferenciada que seja necessária para cobrir o leque de diferenças que os constitui, distinguir os novos projectos dos projectos consolidados, os projectos anuais regulares dos festivais...

Isso implica fazer escolhas. Não se pode dar todo dinheiro a toda a gente.

Nem se deve sequer dar todo o dinheiro que uma estrutura necessita. Quando digo que a responsabilidade do Estado é indeclinável, não estou a dizer que o Estado deva cobrir cem por cento, isso seria condenar as estruturas - aí, sim - à dependência. Os custos devem ser também assumidos pelos públicos.

Sugerir correcção
Comentar