O compositor fascinante e paradoxal

Figura tutelar da 2ª Escola de Viena, Arnold Schoenberg (1874-1951) foi o criador de umas nova gramática musical, estabelecendo as bases do atonalismo e do dodecafonismo. Considerado por muitos como um revolucionário, personalidade fascinante e paradoxal via-se a si próprio como um continuador da tradição. Apesar da sua formação autodidacta, transformou-se num dos mais reconhecidos pedagogos musicais do século XX. Amado e odiado, foi também um teórico, um amante das artes e um ávido leitor. Muito poucos saberão que era também um inventor nato que tinha propensões místicas e supersticioso. Toda a vida teve pavor do número 13 e o destino acabaria por lhe pregar uma partida. Faleceu precisamente no dia 13 de Julho de 1951, em Los Angeles, na sequência de vários problemas de saúde que o afligiram nos últimos anos de vida. Foi há 50 anos.Nascido em Viena numa família de origem judia, Schoenberg começou a tocar violino aos oito anos, fazendo pouco depois as suas primeiras tentativas na arte da composição. Quando o pai morreu, foi obrigado a trabalhar num banco para fazer face às dificuldades financeiras da família. Curiosamente, um dos maiores génios musicais de sempre foi praticamente autodidacta. Os seus únicos professores foram Oskar Adler e o jovem Alexander von Zemlinski, que lhe deu lições de contraponto durante alguns meses.Através deste último, Schoenberg foi introduzido nos efervescentes círculos musicais e artísticos da Viena do início do século, vindo a ser incentivado por compositores como Mahler e Richard Strauss. Depois de se casar com Mathilde Zemlinski, a irmã do seu antigo professor, mudou-se para Berlim onde obteve um lugar no teatro e dirigiu operetas e canções de cabaré, cuja componente satírica se viria a reflectir em obras posteriores mais ambiciosas, como o "Pierrot Lunaire", uma das suas peças mais conhecida. Depois do seu regresso a Viena tornou-se professor reunindo em pouco tempo à sua volta um conjunto de notáveis discípulos, entre os quais Alban Berg e Anton Webern, que viriam a completar a tríade da chamada 2ª Escola de Viena.Em cada nova obra, Schoenberg dava um passo em frente em direcção a caminhos onde nenhum outro músico havia chegado, sobretudo no que diz respeito à rejeição da tonalidade. Desde o início que sua a música era acaloradamente discutida e objecto de escândalo quando apresentada em concerto. Foi o que aconteceu em 1902 com o sexteto "Noite Transfigurada", sobre um texto de Dehmel ou com o poema sinfónico "Pélleas et Mélisande", em 1905. Nessa ocasião um crítico insistiu para que o compositor fosse posto num manicómio com papel de música bem fora do alcance! A sua "Sinfonia de Câmara" e o "Segundo Quarteto de Cordas" foram igualmente mal recebidos. A legenda de uma paródia de jornal acerca de um cartaz de Egon Schiele para um concerto de 1912 dizia: "Exibição de Compositores Austríacos Vivos - Por favor não provocar as Feras!"A I Guerra Mundial interrompeu a actividade criativa de Schoenberg. Embora já tivesse ultrapassado os 40 anos, foi chamado para o serviço militar em Viena. Atingiu um ponto crítico no seu desenvolvimento, ao qual se seguiu um silêncio de sete anos (1915-1923), durante os quais desenvolveu uma série de processos estruturais para substituir a tonalidade que viriam dar origem ao dodecafonismo. O seu "método de composição com doze sons" causou grande confusão no mundo musical. Porém, apesar da polémica, Schoenberg acabaria por ser aceite como um uma figura cimeira do pensamento musical contemporâneo. Aos 51 anos foi nomeado sucessor de Ferrucio Busoni como professor de composição na Academia das Artes de Berlim. Ocupava este cargo quando Hitler subiu ao poder, em 1933. Tal como muitos outros judeus austríacos do meio intelectual e artístico da sua geração, optou pelo exílio nos EUA, onde viria a ocupar o lugar de professor de Composição na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Em 1940 tornou-se cidadão americano. Ensinou até se reformar aos 70 anos, e continuou as suas actividades musicais até à morte em 1951. O primeiro período criativo de Schoenberg encontra-se intimamente ligado ao romantismo pós-wagneriano, mantendo-se portanto dentro dos limites da tonalidade. Entre as suas obras mais conhecidas encontra-se a "Noite Transfigurada op. 4" e os monumentais "Gurrelieder". O segundo, a partir de 1919, corresponde ao expressionismo atonal. Iniciou-se com as "Três peças para Piano op. 11", onde aboliu a distinção entre consonância e dissonância assim como o sentido da tónica. Dentro desta estética há outros pontos altos como as "Cinco Peças para Orquestra op. 16" e "Pierrot Lunaire", sobre poemas surrealistas de Albert Giraud, onde o compositor ensaia o "imediatismo da expressão" e o desenvolvimento do "Sprechgesang". A terceira das peças op. 16 é a célebre "Farben"/"Cores", que tenta reduzir a música ao parâmetro do timbre. A ideia que lhe serve de base é a captação do jogo da luz do sol nas águas de um lago, uma experiência radical, semelhante à dos pintores contemporâneos. Foi entre eles que Schoenberg encontrou alguns dos seus apoiantes mais lúcidos como Wassily Kandinski, de quem foi amigo e com quem trocou numerosa correspondência. Esta época coincide com as próprias experiências de Schoenberg no campo da pintura e com a sua série de auto-retratos. Outras obras expressionistas como o monodrama "Erwartung", que relata todos os estados de alma de uma mulher que espera o amante no meio da floresta, transportam-nos para o domínio da psicanálise. "O objectivo é representar em meia hora em câmara lenta tudo o que ocorre durante um simples segundo da mais intensa emoção espiritual", escreveu o compositor.Nos anos 20, Schoenberg sentiu a necessidade de sistematizar o seu pensamento musical, criando o dodecafonismo, cuja exploração atinge um momento alto nas "Variações para Orquestra op. 31". Na quarta e última fase, correspondente ao período americano, levou esta técnica a outros estádios de refinamento. Muitas das suas últimas obras apresentam-na de uma forma mais acessível do que nas primeiras peças, combinando-a com implicações tonais. É o que acontece por exemplo no "Concerto para Piano e Orquestra" e na cantata "Um Sobrevivente em Varsóvia" ou no seu grande testamento moral e filosófico que é a ópera inacabada "Moisés e Araão".Schoenberg era um incansável defensor das suas ideias. Os ensaios e os artigos fluíam incessantemente da sua pena - muitos deles foram publicados na colectânea "Estilo e Ideia" - e os seus tratados de harmonia, contraponto e formas musicais continuam a ser referências fundamentais ainda hoje. No prefácio do primeiro escreveu: "Este livro que aprendi dos meus alunos." Uma exposição sobre a vida e obra do compositor apresentada em 1999 nos Encontros Gulbenkian de Música Contemporânea mostram-nos também outras facetas da sua personalidade - o seu lado humorístico e o seu talento como inventor. Criou por exemplo um jogo de xadrez para quatro pessoas, registou uma patente de uma máquina para escrever música e um sistema estenográfico para registar jogos de ténis, outra das suas paixões.

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