Prémio de Consagração Celpa / Vieira da Silva Artes para Paula Rego

Com a presença do novo ministro da cultura, Augusto Santos Silva, Paula Rego recebeu ontem o Prémio de Consagração Celpa / Vieira da Silva Artes. Este prémio, que é atribuído pela segunda vez (tendo distinguido no ano Júlio Pomar e destina-se unicamente a obras sobre papel), deveria ter sido acompanhado por um Prémio Revelação. Mas assim não sucedeu. O júri, constituído por Sommer Ribeiro, da Fundação Arpad Szènes / Vieira da Silva (FASVS), José Manuel Pedrosa, da Celpa, a associação da indústria papeleira, pelos críticos de arte Fernando Pernes e Rui Mário Gonçalves e pelo poeta e também crítico João Miguel Fernandes Jorge, decidiu, dada a fraca qualidade das obras apresentadas a concurso, não atribuir este último galardão.Paula Rego recebeu dois mil contos e um diploma das mãos do ministro. Em troca, entregou um desenho seu à FASVS, parte de um conjunto de dez feitos especialmente para esta exposição. Como sempre sucede nestas ocasiões, a artista mostrava-se afável e respondia com paciência aos pedidos de fotografias e comentários. Na cerimónia de entrega do prémio, que decorreu no próprio anfiteatro da FASVS, ouviu os discursos de Proença de Carvalho, presidente do conselho de administração desta instituição, de José Manuel Pedrosa, que assegurou que o Prémio Celpa se vai manter por muitos anos, e breves palavras de Sommer Ribeiro, que introduziu um comentário de João Miguel Fernandes Jorge à exposição. Este último falou do interesse da artista por um desenho clássico, à maneira das academias do século XVIII, e acrescentou-lhe uma outra referência: a das confrarias renascentistas e maneiristas de São Lucas, com cujas normas Paula Rego romperia para definir a imagem de "uma mulher que parece pousar sobre os nossos olhos como se fosse um grande pássaro sobre a terra", de uma mulher "violadora e inviolável", uma "dog woman", do título de uma famosa série da pintora, portadora de "tentação e transgressão". E concluía, dizendo que "neste e naquele desenho joga com todos nós", que "somos todos nós o seu rosto mais próximo".De facto, os 30 desenhos que compõem esta exposição centram-se no tema da mulher - o homem, quando surge, é uma figura magra e fraca, que a pintora não dota da força física que atribui às suas personagens femininas. "Só desenhos" - assim se chama a exposição - inclui obras onde reconhecemos esboços de figuras dos seus quadros mais recentes, mas também outras que não identificamos, que provavelmente estão destinadas a viver apenas no papel. Há sinais do trabalho em curso: uma quadrícula, ortogonal, necessária para a reprodução à escala de um modelo, contas, números, rabiscos. Contudo, o que primeiro ressalta do conjunto é a extraordinária disciplina de trabalho: o traço é espesso, a perspectiva clássica, como se a autora melhor se colasse aos códigos renascentistas de representação da figura humana para melhor os transgredir.A transgressão de que João Miguel Fernandes Jorge falou no seu discurso reside nos temas e nos modelos. Nenhuma destas mulheres corresponde aos cânones clássicos da beleza, como os dois desenhos masculinos também se afastam deste modelo. As feições são acentuadas ao limite caricatural e, mesmo quando se trata de imagens supostamente sedutoras, como a de uma figura que levanta as saias, ou outra que se deita de costas olhando o espectador, há um desvio que impede a erotização da imagem. O mesmo se passa com outros temas: o da maternidade, por exemplo - e como não recordar, aqui, as ilustrações, também sobre papel, feitas para "Obra" de Adília Lopes -, onde os papéis tradicionais atribuídos à mãe, ao filho ou à filha, à avó, são invertidos, quebrados, sabotados. No fundo, de um modo talvez mais evidente, Paula Rego prossegue aqui, com novos processos, porque o tamanho do suporte assim o exige, o trabalho de desconstrução de uma identidade social que tem levado a cabo desde que começou a sua carreira, nos anos 60.Suporte do desenho a pastel, como tem sucedido nos anos mais recentes, ou da colagem, como acontecia nos seus primeiros trabalhos, o papel - que serve também para as grandes aguarelas feitas durante a década de 80 - tem sido efectivamente uma constante na obra desta artista, a viver actualmente no Reino Unido. Atribuído por unanimidade, este prémio consagra afinal uma carreira que já está consagrada: Paula Rego é uma referência indiscutível na arte contemporânea internacional, e o facto de ter desenvolvido a sua carreira com base em Londres permitiu, por exemplo, que fosse a primeira Artista Associada da National Gallery desta cidade. A sua última individual em Portugal teve lugar no Centro de Arte Moderna, em Lisboa, em 1999.

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